Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Cemig na condição de testemunha, Leandro de Castro, ex-gerente de Compras de Materiais e Serviços da empresa, afirmou não concordar com a prática de validação posterior de contratações sem licitação e se disse perseguido por esse posicionamento. Ele e a advogada Cláudia Faria foram ouvidos pela CPI da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (23/8/21).
Leandro de Castro encontra-se atualmente afastado da empresa, enquanto são apuradas denúncias de irregularidades na área de Suprimentos e Logística, como o desvio de materiais e supostos casos de assédio. Ele nega qualquer envolvimento nos fatos investigados e inclusive solicitou à comissão a quebra de seus sigilos bancário e fiscal, para provar sua inocência.
Para o depoente, ele foi afastado como retaliação por exigir que todas as contratações seguissem os protocolos regulamentares. Ainda de acordo com o funcionário da Cemig, a inexigibilidade de licitação e a regularização de contratações depois dos serviços contratados já terem sido executados, expediente que deveria ser utilizado somente em situações emergenciais, têm sido uma prática cada vez mais frequente na atual gestão.
Esse foi o modelo de contratação de consultorias especializadas no recrutamento de executivos no mercado, serviço conhecido como headhunter, e de assessorias financeiras e jurídicas, como o escritório de advocacia Lefosse, que já teve como sócio o diretor jurídico da Cemig, Eduardo Soares.
Segundo Leandro de Castro, era possível licitar em todos os casos que envolviam empresas de headhunter. Outros exemplos de contratações inusuais citados por ele foram o do escritório de coworking WeWork, contratado sem licitação mesmo havendo outras empresas interessadas em oferecer o mesmo serviço e por menor valor, e o da Kroll, especializada em investigações corporativas.
No caso da Kroll, Leandro de Castro relatou ter sido informado por Daniel Polignano, ex-gerente de Direito Administrativo, que a empresa havia iniciado um trabalho de cópia de dados de computadores da Cemig. A pedido do colega ele foi verificar se ela já tinha sido contratada para esse serviço pela estatal e constatou que não.
A mesma situação teria se dado com a empresa de recursos humanos Exec, responsável pela seleção do atual presidente da companhia, Reynaldo Passanezi Filho. A contratação formal da instituição se deu mais de um mês depois da nomeação do gestor para o seu cargo.
Respondendo a questionamentos dos membros da CPI, o ex-gerente da Cemig admitiu ter sido pressionado pela cúpula da empresa, entre os quais o próprio diretor jurídico, Eduardo Soares, e o diretor-adjunto de Gestão de Pessoas, Hudson Almeida, para executar processos de contratações sem licitação.
Para deputados, contratação informal virou regra
O deputado Cássio Soares (PSD), presidente da CPI, o vice-presidente, deputado Professor Cleiton (PSB), o relator, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), e a deputada Beatriz Cerqueira (PT) se mostraram bastante preocupados com os numerosos exemplos de contratações com dispensa de licitação e execução de serviços antes mesmo da sua formalização.
“A regra parece ser a contratação informal e depois se dá um jeito de pagar”, afirmou Sávio Souza Cruz. Especificamente sobre a Kroll, ele lembrou que a empresa teve acesso a dados sigilosos da Cemig ainda sem qualquer contrato formal, nem mesmo uma cláusula de confidencialidade.
“São práticas que nos chamam bastante atenção”, comentou Cássio Soares. “Algo surreal, gravíssimo; uma devassa na empresa, na privacidade, sem contrato assinado”, acrescentou Professor Cleiton.
Assim como Beatriz Cerqueira, ele também questionou Leandro de Castro se, ciente de irregularidades, não seria o caso de não apenas cobrar a documentação correta, mas acionar um sinal de alerta e exigir providências.
O depoente afirmou que fez o máximo que podia, ao informar aos setores de Auditoria e Compliance sobre o que estava ocorrendo. Ele não fez uma denúncia formal porque falava com as duas áreas responsáveis por esses procedimentos, frisou.
Isenção – Os deputados Zé Reis (Pode) e Zé Guilherme (PP) defenderam a condução da Cemig durante o governo de Romeu Zema, período no qual se concentram as investigações da CPI.
Zé Reis questionou a isenção do depoimento do ex-gerente, uma vez que ele é investigado em auditoria interna da estatal e pelo próprio Ministério Público e está em litígio com a empresa. O deputado também lembrou que Leandro de Castro foi derrotado em primeira instância em ação na qual reivindicava sua reintegração. “Também se vê perseguido pelo juiz?”, indagou.
Zé Guilherme, ressaltando não acusar o funcionário da Cemig de nada, afirmou que a empresa de fato foi vítima de uma quadrilha no setor de suprimentos, que causou enormes prejuízos. Ele ainda citou dados que comprovariam más administrações no passado. “A empresa não nasceu em 2019”, pontuou.
Investigada se mantém em silêncio
No outro depoimento previsto para a reunião desta segunda (23), a convocada Cláudia Faria, advogada da Cemig há 15 anos, exerceu seu direito de permanecer em silêncio, não respondendo a nenhuma das perguntas feitas pelos parlamentares.
Isso porque, na condição de investigada, ela possui, frente à CPI, as mesmas garantias dadas a quem depõe perante autoridade policial ou juízo. Entre as garantias, está a de permanecer calado para não produzir provas contra si.
Os deputados Sávio Souza Cruz e Professor Cleiton e a deputada Beatriz Cerqueira fizeram vários questionamentos sobre a atuação e opiniões da advogada em relação às contratações sem licitação.