A Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) tem visto suas ações perderem força, no último mês, com uma desvalorização de mais de 11% nos últimos 30 dias. Ao mesmo tempo, ganha corpo a CPI que vai investigar contratos e atos da empresa, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Com exclusividade, o Monitor do Mercado obteve a lista de contratos que serão questionados na CPI. Todos foram feitos com dispensa de licitação, para serviços que vão desde recrutamento de executivos a aluguel de escritórios em São Paulo, passando pela contratação de advogados e sessões de coaching para o presidente da empresa.
No total, os contratos questionados somam R$ 1,13 bilhão, sendo o maior deles com a IBM, para melhorias na tecnologia de atendimento a clientes.
A Cemig, procurada pelo Monitor do Mercado, afirma que suas decisões estão “abertas ao escrutínio do Legislativo, assim como a toda a sociedade mineira” e que as informações sobre os contratos questionados serão “disponibilizadas oportunamente à Assembleia Legislativa de Minas Gerais” (leia nota ao fim da reportagem).
Responsável por fazer o requerimento para abertura da CPI, o deputado mineiro Professor Cleiton (PSB) afirma que ao fazer contratações direcionadas, a estatal se deixa ser aparelhada pelo governador do estado Romeu Zema (Novo). “Isso contraria a ideia de meritocracia do partido Novo”, afirma.
O principal ponto em comum dos contratos questionados é a contratação ter sido feita sem licitação. Como estatal, a Cemig deve ter como regra a licitação, mas a própria Lei das Estatais (Lei 1.303/2006) prevê a contratação direta “quando houver inviabilidade de competição”. A norma destaca como exemplos desse tipo de contratação os serviços técnicos especializados, “com profissionais ou empresas de notória especialização”, de pareceres, treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, consultorias técnicas, defesas de causas judiciais, entre outros.
Isso não significa que os contratos possam ser firmados por quaisquer preços. A mesma lei prevê que, nos casos de dispensa, se for comprovado que houve sobrepreço ou superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado quem houver decidido pela contratação direta e o fornecedor ou o prestador de serviços.
Além disso, há uma série de normas da própria companhia que devem ser obedecidas nas contratações. Parte dessas normas, como a necessidade de pareceres internos autorizando a contratação, está na mira dos deputados de Minas Gerais, cujo foco é a estatal mineira, não os prestadores de serviço.
Veja abaixo os detalhes dos contratos que serão questionados na CPI da Cemig.
Recrutamento de executivos
Entre os contratos a serem questionados na CPI, chama a atenção a contratação de serviço de headhunter para recrutamento e seleção do diretor presidente da companhia, que custou R$ 170 mil e foi assinado pelo próprio selecionado: Reynaldo Passanezi Filho. Ou seja: depois de assumir o cargo, o presidente da Cemig, Passanezi assinou o contrato com a empresa cujo serviço era encontrar e contratar ele mesmo.
Os serviços teriam sido prestados em novembro de 2019, mas a autorização para a contratação da empresa, chamada Exec, ocorreu em 20 de janeiro de 2020 e o contrato só foi assinado mais de um mês depois.
A Exec, aliás, é parte de outro contrato na mira da CPI. No valor de R$ 129 mil, esse serviu para encontrar três executivos para a Cemig. A contratação foi solicitada em julho, mas os diretores que teriam sido selecionados foram empossados em março. Dois deles, inclusive, já haviam trabalhado com o atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi, em outras empresas e no governo de São Paulo.
Outra empresa de headhunters, a Heidrick & Struggles Consultoria, também tem um contrato de R$ 770 mil questionado. A companhia deveria encontrar conselheiros para as empresas Cemig SIM, Taesa, Gasmig, Madeira Energia e Norte Energia, bem como um diretor financeiro para a Gasmig.
Ao escolher a consultoria, no entanto, a diretoria da Cemig teria deixado de lado propostas de concorrentes. Além disso, no fim do processo, o escolhido para a posição já era funcionário de carreira da Cemig.
Para encontrar outro executivo, a Cemig contratou também a Russell Reynolds Associates, que cobrou R$ 294 mil para recrutar um novo diretor-adjunto de suprimentos para a companhia. De acordo com documento a ser apresentado na CPI, não há a comprovação de que o preço cobrado esteja aderente ao praticado pelo mercado.
Em nota ao Monitor do Mercado, a Russell Reynolds afirma que a formação de preço praticada para serviços de busca de executivos é normalmente equivalente a 33% do salário anual do executivo recrutado, acrescido de impostos e taxa administrativa, “que é considerado o valor máximo a ser cobrado”.
Escritórios de Advocacia
A contratação de cinco escritórios de advocacia (Lefosse Advogados; Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Sociedade de Advogados; França e Nunes Pereira – Advogados; Elival Silva Ramos; e Gentil Monteiro, Vicentini, Beringhs e Gil Sociedade de Advogados) também entrou na mira da CPI. Juntas, as bancas e os advogados receberam R$ 2,6 milhões da Cemig.
Em todos os casos envolvendo advogados, os problemas apontados envolvem a falta de parecer jurídico da área de Direito Administrativo da Cemig avaliando a contratação e a falta de coleta de propostas no mercado. A comprovação de que os preços estariam de acordo com o praticado no mercado se deu, muitas vezes, por meio de documentos apresentados pelo próprio advogado contratado.
Outro alvo da CPI da Cemig é a contratação do escritório Alvarez & Marsal, consultoria internacional que recentemente ocupou o noticiário por ter contratado o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. O contrato previu o pagamento de R$ 3,8 milhões para que a consultoria avaliasse as melhores alternativas de reestruturação da Renova Energia.
Nesse caso, além de não haver parecer jurídico da área de Direito Administrativo da Cemig sobre a contratação, a comprovação de que o preço cobrado da Cemig está aderente ao praticado pelo mercado foi feita com base em cópia de contrato da própria Alvarez & Marsal com um cliente seu não identificado.
Sessões de coaching
Há também questionamentos sobre a contratação de serviços de coaching para o presidente da Cemig, no valor de R$ 156 mil por 104 sessões de 50 minutos. Nesse caso, a comprovação da notória especialização do coach (Wladimir Ganzelevitch) foi feita por meio de prints de telas do LinkedIn, com comentários de clientes, que foram postados justamente no período de documentação para a contratação. Ao Monitor do Mercado, o coach afirma que as datas das recomendações que recebeu “importam menos do que o conteúdo delas e os seus autores”.
O documento que elenca os problemas a serem apresentados na CPI aponta que apesar de a contratação ser para sessões de coaching para o presidente, elas também foram usufruídas por um diretor da empresa.
Planejamento estratégico
Um contrato de R$ 6,8 milhões com a consultoria Bain Brasil, por sua vez, teria servido para serviços de apoio à Diretoria Executiva na revisão do Planejamento Estratégico Ciclo 2021-2030 e do plano de modernização tecnológica da Cemig. No entanto, apesar de terem sido colhidas quatro propostas para o serviço, não foi escolhida a de menor valor, apresentada pela KPMG, que custava praticamente um terço do valor cobrado pela Bain.
A justificativa para escolher a proposta da Bain foi que, na proposta da KPMG, “não foram identificadas experiências anteriores em projetos com escopo de elaboração ou revisão completa de planejamento estratégico para grandes grupos do setor elétrico”.
Contrato com perdedor de licitação
O contrato mais caro a ser questionado pelos deputados mineiros na CPI é um no qual a Cemig se compromete a pagar R$ 1,1 bilhão à IBM pela contratação dos serviços de evolução tecnológica para atendimento de clientes, ao longo de dez anos.
A IBM propôs a substituição gradativa dos serviços humanos pelos serviços robotizados no atendimento a clientes. Nesse caso, o contrato e a prestação de serviços pela IBM em si não estão na mira dos deputados da CPI, mas a companhia que fornece o serviço de call center para a Cemig.
A história é um longa: Em fevereiro de 2020, a Cemig realizou licitação pública para a contratação dos serviços de call center. A empresa vencedora foi a Audac, deixando em segundo lugar a empresa A&C. A A&C pertence a Cássio Rocha de Azevedo, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais, e já prestava o serviço.
Após a licitação, o contrato com a A&C, que se encerraria em fevereiro de 2020, acabou sendo prorrogado até fevereiro de 2021. E nesse período a IBM foi contratada para fazer a chamada evolução tecnológica.
Na proposta da IBM, a empresa deixa claro que não atuaria no call center, mantendo o os serviços que estavam sendo realizados por humanos. E assim, mesmo após o fim do contrato previsto e tendo perdido a licitação, a A&C continuou responsável pelo call center da Cemig.
Escritório vs Coworking
O documento que aponta irregularidades em contratações aponta ainda que a locação em uma unidade do WeWork em São Paulo. Três propostas de coworkings foram coletadas e a vencedora acabou sendo a mais cara, sob a justificativa de que o escritório que estava preparado para a pandemia de Covid-19.
Para justificar a inexibilidade de licitação, a Cemig apontou que não se tratava do aluguel de um imóvel, mas sim da “contratação de serviços de coworking”.
Respostas à reportagem:
Todas as empresas citadas foram procuradas pelo Monitor do Mercado. Abaixo, as notas da Cemig e da Russel Reynolds, que se manifestaram em relação à reportagem:
Cemig:
A Cemig reafirma seu compromisso com as melhores práticas de governança e compliance. As decisões de gestão da Companhia estão abertas ao escrutínio do Legislativo, assim como a toda a sociedade mineira. A empresa reitera o compromisso com a responsabilidade em gerir, com vistas ao equilíbrio econômico e financeiro da Companhia, respeitados os princípios constitucionais.
Todos os procedimentos adotados pela atual administração visam preservar não apenas o patrimônio da Cemig, mas também assegurar a constante melhoria da oferta de serviços de energia elétrica com qualidade e segurança aos seus clientes. Essa melhoria passa, inclusive, pelo maior conjunto de investimentos da história da Companhia: serão R$ 22,5 bilhões até 2025.
Em relação às contratações diretas (inexigibilidade), essas estão previstas na Lei das Estatais (13.303/2016), em seu Art. 30, para contratação de serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, como no caso de estudos técnicos, pareceres, assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias.
Essas contratações buscam fortalecer a gestão de uma companhia do porte da Cemig, que precisa contar com o melhor assessoramento possível, não sendo plausível basear-se apenas no critério do menor preço, nas situações em que assim é permitido pela legislação.
As informações necessárias ao pleno entendimento das decisões da Cemig serão disponibilizadas oportunamente à Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Russell Reyolds:
A Russell Reynolds respeita as leis e segue os mais altos padrões de conduta, especialmente em suas contratações. A contratação de seus serviços para busca de executivos pela Cemig segue o Processo Administrativo de Inexigibilidade de Licitação nº SL/MS 500-E14352, regido pelo art. 30, inciso II, “c”, da Lei nº 13.303, de 30/06/2016. A empresa esclarece ainda que a formação de preço praticada pelo mercado para serviços de busca de executivos é normalmente calculada a partir do valor referente a 33% do salário anual do executivo acrescido de impostos e taxa administrativa, que é considerado o valor máximo a ser cobrado.
Fonte: Monitor do Mercado, por Marcos de Vasconcellos