A Eletrobras é, ainda hoje, por força de lei, uma empresa controlada pela União, o que faz dela uma companhia com caráter público. Todavia, seus atuais gestores decidiram deliberadamente ignorar a lei vigente no país, que veda a privatização da Eletrobras e agem como se a privatização já fosse uma realidade.
Além de ignorarem a lei vigente, ainda recorrem à divulgação de informações falsas sobre a situação financeira da empresa, tanto na tentativa de justificar a privatização quanto para encobrir negócios suspeitos, como no caso da venda das participações em Sociedades de Propósito Específico (SPE’s) e participações minoritárias em empresas do setor.
É fato notório, mas que é sempre bom ratificar: a situação financeira da Eletrobras é hoje muito confortável. A empresa tem mais de R$14 bilhões em caixa, baixo nível de endividamento e mais de R$44 bilhões de indenizações a receber (RBSE) até 2028.
Apesar dessa situação confortável, mesmo diante da grave crise financeira pela qual passa o país, a direção da empresa se recusa a investir, o que levou a companhia, segundo palavras do atual presidente da estatal, ao “menor nível de investimentos de sua história” . A empresa renega sua função pública enquanto entesoura caixa na expectativa de agradar o “mercado” e aos pretendentes a novos donos.
Como se isso não bastasse, a empresa está promovendo uma grande liquidação de ativos. Usando a falsa justificativa de necessidade de caixa, a Eletrobras vendeu 22 SPE’s no Rio Grande do Sul agora, em julho de 2020 e uma no Rio Grande do Norte, em maio. É bom que fique registrado que o Parque Eólico de Mangue Seco II, de 26 MW, localizado no Rio Grande do Norte, foi vendido ao Fundo de Investimento Pirineus, no inicio de maio de 2020, e teve concluída a transferência da totalidade das suas ações, no ultimo dia 09.10.2020, por apenas R$ 27,6 milhões, conforme divulgado no site https://epocanegocios.globo.com/. Mesmo apresentando lucro nos dois últimos anos, foi entregue por um valor rebaixado por meio de uma venda direta. Apesar de estar em operação comercial desde 24 de setembro de 2011, a direção da Eletrobras insistiu na venda e após o insucesso do leilão em 2018, decidiu pela venda direta.
Em Julho de 2020 a Eletrobras promoveu a venda de suas participações nos parques Eólicos de Geribatú I a X, Verace I a X e Chuí I, Chuí II, Chuí IV, Chuí V, Chuí VI, Chuí VII, Chuí IX e Hermenegildo I a III (os parques de Chuí IX e Hermenegildo I a III são conhecido também como Complexo Eólico Campos Neutrais). São 22 parques Eólicos que somam 438 MW de potência instalada, avaliados em mais de R$2,1 bilhões.
São parques eólicos em plena operação. Um belo negócio para os compradores, já que os principais riscos associados à construção, como o ambiental, de atraso e etc, já não existem. Dinheiro fácil e sem risco.
A venda suscita outras perguntas quando investigada de perto. Seria escandaloso o bastante falar que, apesar da Eletrobras ter aportado diretamente nesses negócios mais de R$1,2 bilhão para sua construção, sua venda ocorreu por apenas R$568 milhões, ou seja, cerca de metade do valor dos aportes. Mas a estranheza aumenta quando se verifica que na tentativa de leilão anterior, realizada em setembro de 2018, o preço mínimo era de R$755 milhões. Corrigido para valores de hoje, esse preço mínimo seria de R$871 milhões. O valor arrecadado no leilão foi 35% inferior ao valor mínimo do primeiro leilão! Realmente, um preço de pai para filho.
Alguém poderia imaginar que esse valor reduzido se deve aos resultados recentes dessas empresas. Mas não. Os referidos parques eólicos lucraram mais de R$100 milhões em 2019! Ou seja, essas participações estavam incrementando o lucro da Eletrobras.
Poderiam e deveriam servir para fomentar novos investimentos na região. De todas as vendas escandalosas, talvez a mais descarada e absurda tenha sido a da Manaus Transmissora de Energia. Empreendimento de alta complexidade, que contou com a expertise e experiência dos trabalhadores da Eletrobras, onde esta aportou mais de R$ 621 milhões; um investimento avaliado em R$1,9 bilhão, foi vendido em abril de 2020 por apenas R$232 milhões. Valor que representa 1/3 do valor aportado pela Eletrobras.
São mais de 580 km de linhas de 500 kV que passam pelos estados de Amazonas e Pará. Essas não foram as únicas vendas de participações. A Eletrobras já havia vendido, no ano de 2018, parques eólicos (Brasventos, Miassaba e Rei dos Ventos) que somavam 187 MW de capacidade instalada localizados no Rio Grande do Norte e o conjunto de parques eólicos Serra das Vacas, localizado em Pernambuco, que somavam 90 MW. Ou seja, 278 MW de capacidade vendidos por menos de R$238 milhões, outra pechincha. Nesse mesmo leilão de 2018, a Eletrobras vendeu também mais de 2 mil km de linhas de transmissão, que passam por Tocantins, Goiás, Paraná, Mato Groso, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Diante dos dados, é imperioso o questionamento da legitimidade dessas negociações. Importa notar, ainda, que os atuais gestores da Eletrobras tiveram relacionamento estreito no passado recente com empresas privadas, muitas delas atuantes no setor elétrico, outras no mercado financeiro.
As entidades representativas dos trabalhadores vêm atuando em defesa do fim dos desinvestimentos e retorno dos investimentos produtivos, tendo por finalidade o caráter público dessas ações, visando levar energia e gerar empregos, com segurança e modicidade tarifária. É essa a função da Eletrobras e é em defesa desses objetivos que se pronunciam o CNE, a AEEL e os nossos sindicatos.
Infelizmente, está cada vez mais claro que esse não é o objetivo da atual diretoria da empresa, que não tem compromisso nenhum com a defesa do interesse público. Esperamos que os órgãos de fiscalização voltem ser o que eram antes: independentes. E cumpram o seu papel.
Nossa luta vai continuar, doa a quem doer.
Fonte: FNU/CUT