O ministro citou algumas razões da “exaustão” da sociedade com a forma como se faz política: o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; a irrelevância programática dos partidos, que no geral funcionam como “rótulos vazios” para candidaturas; e o sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso. Além de diagnóstico, sugeriu receita: “A imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político. Já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade”.
O entendimento do magistrado não é novo. A necessidade de reduzir o poder do dinheiro privado nas eleições e de impor a políticos e partidos fidelidade a programas são bandeiras antigas da sociedade. Assim como o fortalecimento da chamada democracia direta, que dê à população outras formas de interferir nos rumos de sua cidade, seu estado e do país – por meio de ferramentas como audiências e conferências públicas, plebiscitos e referendos.
Ainda em 2010, o Instituto Ethos divulgou estudo – em parceria com a Transparency International – segundo o qual o setor privado gastou R$ 4,6 bilhões em financiamento de campanhas nas eleições de 2006 e 2008. “Quem paga as campanhas têm um poder enorme sobre os políticos. Esse é o nó do quadro político brasileiro”, declarou na época o presidente da entidade, Oded Grajew.
O tema da reforma política com participação social também esteve presente nas manifestações deste ano e passou a fazer parte da “agenda positiva” proposta pela presidenta Dilma Rousseff . O Congresso, entretanto, pôs em prática um velho chavão do manual dos proteladores: formou uma comissão, e não chegou a uma proposta contundente.
O ano legislativo está perto de acabar e o máximo que o grupo de trabalho da reforma política tem a apresentar é um texto que pouco muda na questão principal: o dinheiro para as campanhas. O desinteresse da maioria dos parlamentares ficou evidente quando o quesito financiamento só foi discutido no apagar das luzes, faltando duas sessões para o prazo de entrega do anteprojeto. A proposta de emenda à Constituição (PEC) que saiu do grupo foi entregue no início de novembro ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que disse esperar votá-la até março.
Diante disso, movimento formado por uma centena de entidades resolveu intensificar a coleta de assinaturas para um projeto de iniciativa popular sobre o tema. A ideia é alcançar 1,4 milhão de assinaturas – este ano já foram recolhidas 400 mil até novembro – e apresentar o projeto ao Congresso, como aconteceu com a lei da ficha limpa. Participam da empreitada organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).
A CNBB encaminhou carta aos bispos pedindo às dioceses espalhadas pelo país que peçam adesões ao projeto. Também a OAB promete usar suas seccionais para ampliar a conscientização entre a população. “A partir de agora, embora contemos com o apoio de vários parlamentares, o Congresso é o último local que procuraremos. O apoio que queremos é o das ruas e das assinaturas populares”, disse o coordenador da mobilização, chamada de Coalizão pelas Eleições Limpas, o juiz Márlon Reis.
Representação distorcida
O financiamento privado de campanha é tido como ponto-chave porque, conforme ficou claro na movimentação do Congresso nos últimos meses, a influência do poder econômico passa pelo período eleitoral e vai se estender ao longo dos quatro anos de cada legislatura. O lobby vai dos corredores do Parlamento aos gabinetes de órgãos públicos sob influência dos mandatários. Estão aí para comprovar isso a movimentação de empresários do meio urbano e rural, do ramo industrial, financeiro e das telecomunicações, atuando fortemente para aprovar artigos de seus interesses em projetos sobre a regulamentação da terceirização, o combate ao trabalho escravo, a demarcação de terras indígenas e o Marco Civil da Internet.
Além do poder de pressão de fora para dentro, esses segmentos investem para constituir sua próprias bancadas como as empresariais, de ruralistas e de evangélicos, com poder de atrasar ou modificar matérias conforme suas conveniências. O poder de fogo é o dinheiro.
Uma das principais denúncias do semestre está relacionada ao Projeto de Lei 4.330, de 2004, que regulamenta a terceirização de mão de obra. O PL é objeto de críticas por parte das centrais sindicais e de especialistas em relações de trabalho, inclusive, por magistrados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O corpo a corpo partiu de empresários que contratam e que vendem serviços terceirizados, depois que as tentativas de votação do PL, no plenário da Câmara, falharam. Críticos do lobby associam o assédio a possíveis financiamentos de campanhas em 2014.
Para o cientista político Alexandre Ramalho, da Universidade de Brasília (UnB), relações entre empresas financiadoras de campanha e matérias legislativas de seu interesse já viraram rotina. Ele cita como exemplos a batalha do mercado financeiro, em 2007, durante a votação que extinguiu a CPMF – incômoda também por permitir o rastreamento de movimentações bancárias. Destaca ainda os lobbies das indústrias das armas, em projetos que tramitam na Comissão de Segurança Pública da Câmara; os das empresas que atuam no ramo de agrotóxicos – cujo foco principal são as votações da Comissão de Agricultura da Câmara e de Meio Ambiente do Senado; e o das indústrias de cigarros e bebidas alcoólicas.
O ex-gerente de toxicologia da Anvisa Cláudio Meirelles, exonerado no final do ano passado, havia denunciado um esquema de corrupção para aprovar, de forma mais célere, princípios ativos desses produtos. E criticou a pressão sofrida no Executivo por parte de alguns deputados e senadores. “Muitos parlamentares têm campanhas financiadas por esse segmento e estão todos os dias na Anvisa questionando o trabalho dos técnicos, procurando saber porque determinado produto foi proibido. Eles nos procuram para falar sobre os assuntos abertamente e argumentam que atrasos prejudicam a produção”, enfatizou.
O deputado Moreira Mendes (PPS-RO), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, evitou falar sobre a relação entre o financiamento dessas a campanhas e a atuação dos parlamentares, mas não negou a ligação. “Temos força e objetivos para enfrentar as discussões sobre os temas e convicção em tudo o que defendemos.”