Povos de comunidades tradicionais denunciam que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), descumpriu uma convenção internacional para acelerar a construção do Rodoanel Metropolitano. Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na segunda-feira (8), lideranças comunitárias criticaram os impactos ambientais e sociais da obra, que deve ir a leilão nesta sexta-feira (12), na Bolsa de Valores de São Paulo.
Na atividade, Andréia de Jesus (PT), que é presidenta da comissão, denunciou que a obra pode atingir áreas densamente povoadas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), além de comunidades tradicionais de Contagem e de Santa Luzia. No entanto, o governo não realizou uma consulta prévia livre e informada às comunidades que serão impactadas, o que contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“Mais uma vez, vemos o poder econômico passando por cima dos povos tradicionais, em nome de um pseudo-progresso”, afirmou a deputada. Ela afirmou que enviará ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) uma carta aberta assinada pelos grupos que serão afetados pelo megaprojeto.
Sônia Damásio Silva, do bairro Nascentes Imperiais, em Contagem, relata que os moradores da região não foram ouvidos na audiência pública realizada pelo governo do Estado. “O dinheiro vai vencer. Como a gente fica? Não queremos essa obra”, afirmou.
Violação de direitos humanos
Ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 143/2002, a Convenção 169 da OIT garante consulta prévia e informada às comunidades tradicionais sobre qualquer obra ou atividade que possa impactar seus territórios.
Na proposta do governo, o traçado do megaempreendimento atingiria mais de dez comunidades tradicionais e indígenas, como a comunidade quilombola de Pinhões, em Santa Luzia.
Em reunião, na quarta-feira (3), na sede do Ministério Público Federal (MPF), representantes do município de Contagem denunciaram que nenhuma das comunidades foi consultada. Durante o encontro – que contou com a participação de movimentos populares, membros da Prefeitura de Contagem e do governo de Minas –, Fernando Marcato, da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), afirmou que a consulta às comunidades acontecerá após o leilão.
No município de Contagem, o quilombo dos Arturos teria seu modo de vida alterado, caso o governo mantenha o traçado proposto. É o que conta Adriana Souza, membro do movimento SOS Vargem das Flores. “A rodovia vai separar a comunidade da represa e da lagoa de Vargem das Flores, que garante para a comunidade uma série de ritos ancestrais”, explica.
Risco de insegurança hídrica
Além da manutenção das tradições do quilombo dos Arturos, a bacia de Vargem das Flores é fundamental para o abastecimento hídrico de Contagem e outros municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Na proposta do governo de Minas, o traçado do Rodoanel atingiria diretamente a área de preservação.
Em meio a críticas, durante a reunião no MPF, Fernando Marcato afirmou que, caso modifique a proposta para que ela não atinja a bacia de Vargem das Flores, o governo Zema “vai abandonar o projeto”.
“Nós sabemos disso, porque essa é a alça mais lucrativa para as empresas privadas que podem assumir a concessão da via”, comenta Adriana. Ela ainda afirma que, em diversas ocasiões, os movimentos populares e as prefeituras de Contagem e de Betim já tinham alertado sobre os impactos da obra e rechaçado o traçado proposto.
“Nossa avaliação é de que é preciso impedir a obra, porque ela não responde aos problemas de mobilidade urbana. E o impacto que ela vai ter na bacia de Vargem das Flores, em pouco tempo, vai significar mais insegurança hídrica para a RMBH”, comenta Adriana.
Sobre a ameaça ao abastecimento, na audiência dessa segunda (8), a deputada Beatriz Cerqueira reforçou que a obra pode atingir 40 nascentes e mananciais. “A quem interessa esse ‘rodominério’? Quem vai lucrar com essa obra? Por que esse leilão tem que ser tão rápido, às vésperas da eleição?”, questionou.
Promessa
O superintendente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Pedro Henrique Magalhães de Azevedo afirmou, durante a audiência na ALMG, que, após receber denúncias de irregularidades na licitação do Rodoanel, o conselheiro do órgão Cláudio Terrão entendeu que não havia a necessidade de suspender o processo e propôs a realização de uma reunião de conciliação.
Após a reunião, que envolveu o governo de Minas e as prefeituras de Betim e Contagem, foi criada uma comissão para analisar os impactos da construção da obra. Segundo Pedro Henrique, o TCE está aberto para receber denúncias. “Nosso acompanhamento está em curso e termina ao final da licitação”, informou.
Quanto à Convenção 169 da OIT, o superintendente se comprometeu em acompanhar o cumprimento da norma durante a execução do contrato com a empresa que vencer o leilão.
Fonte: Brasil de Fato MG, por Ana Carolina Vasconcelos