Expectativa de lucro anual em torno de R$ 1,5 bilhão. Esse é o grande atrativo para as 12 empresas, divididas em quatro consórcios, que participam hoje (30) do leilão da maior companhia gerida pelo governo do Rio de Janeiro, a Cedae. Cogitada por diversos governos desde a gestão do tucano Marcello Alencar (1995-1998), a privatização da empresa pública de serviços de abastecimento de água e de esgoto no Rio nunca havia ido adiante graças às resistências de diversos setores da sociedade fluminense.
Desta vez não está sendo diferente. Uma guerra política e judicial que têm como protagonistas o governador em exercício, Cláudio Castro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),Luiz Fux, e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputado André Ceciliano (PT), faz com que a realização do leilão ainda não esteja garantida a poucas horas do início previsto para o pregão (14h) na Bolsa de Valores de São Paulo.
Vaivém judicial
Após uma semana de vaivém na Justiça, que teve na figura de Fux o principal garantidor do leilão da Cedae, o dia de ontem (29) foi agitado. Ainda pela manhã, os deputados estaduais aprovaram por 34 votos a favor e 22 votos contra (com duas abstenções) um projeto de decreto legislativo apresentado por Ceciliano e que proíbe a realização do leilão da empresa de água e esgoto do Rio até que o Ministério da Economia autorize a assinatura do Acordo de Recuperação Fiscal do Rio. Apesar de o decreto aprovado pelos parlamentares ter aplicação imediata, segundo as leis estaduais, no fim da tarde, em edição extra do Diário Oficial, o governador anunciou que o leilão será realizado mesmo com a decisão em contrário por parte da Alerj.
Em nota, Castro afirmou que “o Decreto Legislativo recém-aprovado cria para o Governo do Estado uma obrigação que ele não pode cumprir, já que não é o titular do serviço público a ser concedido, conforme define a lei federal 8.987/95”. Segundo o governador, sua decisão pela manutenção do leilão, mesmo em desacordo com a Alerj, “tem como base o fato de que a concessão dos serviços é dos municípios e da Região Metropolitana, que apenas delegaram a condução do processo ao Estado, na qualidade de mandatário”.
Decisões do STF
Ao apresentar suas justificativas para não respeitar o Decreto Legislativo, Cláudio Castro citou as recentes decisões de Luiz Fux sobre o caso da Cedae. Na quarta-feira (28), o presidente do STF proibiu que seja apresentada qualquer ação para impedir o leilão da empresa pública, seja em primeira ou em segunda instância. Dias antes, Fux já havia interferido no processo para determinar que o prazo de concessão da Cedae à iniciativa privada seja de 35 anos, como prevê o plano do governo do Rio, e não de 25 anos, tempo máximo previsto na lei estadual que trata de concessões.
Nas duas intervenções, Fux se baseou no argumento de que, perante a lei federal, os serviços de saneamento básico são responsabilidade dos municípios e de que, no caso da Cedae, o Governo do Rio atuaria apenas como “elemento unificador” dos 35 municípios fluminenses que aderiram oficialmente à proposta de concessão da empresa de águas e esgotos: “A titularidade dos serviços públicos de saneamento básico segue sendo dos municípios integrantes, a despeito da execução dos serviços se dar de modo conjunto no âmbito da unidade interfederativa”, disse o magistrado em seu despacho.
Demissões em massa
Fux decidiu proibir as manifestações sobre a Cedae nas instâncias inferiores depois que na terça-feira (27) o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio suspendeu o leilão sob a alegação de que a concessão fere os interesses dos 5,5 mil trabalhadores da companhia. Segundo estimativa do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama), a concessão da empresa de água e esgoto do Rio pode significar a demissão imediata de milhares de trabalhadores. “A realização de uma dispensa em massa sem negociação prévia com o sindicato profissional fere o dever de informação”, afirmou o TRT-RJ na decisão posteriormente anulada pelo presidente do STF.
O leilão da Cedae é a maior ação de entrega de serviços de saneamento básico à inciativa privada da história do Brasil. A previsão é que o consórcio vencedor invista R$ 30 milhões ao longo dos 35 anos de concessão. Para o pregão, as áreas atualmente atendidas pela Cedae serão divididas em quatro blocos e o valor mínimo a ser pago pelo consórcio vencedor como outorga aos municípios é de R$ 10,6 bilhões. Vencerá o leilão o consórcio que apresentar a maior proposta de pagamento acima do mínimo previsto para cada um dos blocos.
Recuperação Fiscal
Filé mignon cobiçado pela iniciativa privada há décadas, a Cedae só poderá ser vendida agora porque isso está previsto no acordo de Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado, firmado há cinco anos junto ao governo federal pelo então governador Luiz Fernando Pezão. O acordo foi renovado em abril do ano passado, já pelo governador em exercício, mas a adesão ao novo modelo ainda não está oficializada pelo Ministério da Economia. Por isso, os deputados acham que realizar o leilão da Cedae agora é, no mínimo, uma imprudência: “O Rio precisa da renovação do RRF e, se leiloar a Cedae, vai perder todo o seu poder de barganha, vai perder o único trunfo que tem para garantir a adesão. Se ficarmos sem a Cedae e sem a recuperação fiscal, não sei o que será do Rio”, diz André Ceciliano.
Em nota divulgada após Castro anunciar que realizaria o leilão apesar do decreto legislativo aprovado pelos deputados, o presidente da Assembleia reafirmou sua posição. “A aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que condiciona o leilão da Cedae à assinatura prévia da renovação do Regime de Recuperação Fiscal, que esperamos desde setembro de 2020 que seja feita pelo governo federal, não serviu para o Legislativo medir forças com o Executivo, e sim para garantir melhores condições para o Rio negociar sua continuidade no RRF.”
Ceciliano disse ainda que o Legislativo “continuará trabalhando em parceria com os demais poderes, sobretudo com o Executivo, não para ajudar a um governo ou a um governante, mas para defender os interesses do Estado”. Sobre a decisão de Castro, o deputado afirmou que “a procuradoria da Alerj está analisando a legalidade do ato e, em caso de ilegalidade, as suas possíveis consequências”. As palavras do presidente do Legislativo mostram que o jogo não está definido e que o leilão ainda corre o risco de não ocorrer. Por sua vez, o governador do Rio afirma buscar “tranquilidade jurídica” para o leilão. E uma nova manifestação de Fux pode ocorrer nas próximas horas.
Fonte: Rede Brasil Atual