Enquanto parte da população acompanha perplexa as ilegalidades que colocam sob suspeita a Operação Lava-Jato e a ação do Legislativo e Judiciário que ameaça a democracia e as conquistas sociais, o bastidor preocupante do golpe vai sendo conhecido. O cientista político da UFMG, Juarez Guimarães, afirma que os grandes grupos financeiros nacionais e internacionais estão apostando abertamente no fim da democracia brasileira para quebrar de vez o crescimento de lutas dos trabalhadores e conquistas de direitos.
Chave Geral: Quais as motivações para o capital nacional e internacional apostarem no golpe?
Juarez Guimarães: O programa "Ponte para o Futuro" anunciado por Temer é muito semelhante àquele apresentado por Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014. Ele pretende abrir o Pré-Sal ao investimento estrangeiro e incentivar a privatização dos grandes patrimônios públicos brasileiros, retirando as condições de uma soberania econômica do Brasil. Neste caso, trata-se de patrimônios públicos cobiçados pelo grande capital financeiro nacional e internacional.
CG: Como grupos financeiros nacionais e estrangeiros vêm agindo para derrubar a democracia?
JG: Esses grandes grupos passaram a apoiar a desestabilização da democracia brasileira, em conluio com os oligopólios da mídia e contando com a capacidade de articulação política do PSDB. Esse partido passou a questionar abertamente o resultado legítimo das eleições presidenciais de 2014 logo após o resultado sair. Com uma maioria conservadora no Congresso Nacional, em particular na Câmara Federal, passaram a impedir os trabalhos do
governo Dilma em várias frentes. Ao mesmo tempo, os oligopólios de mídia e movimentos políticos financiados pela ultra-direita, inclusive por agências norte-americanas, redobraram a difusão do discurso do ódio contra a esquerda e contra os movimentos sociais. A Operação Lava jato foi claramente usada para ataques e investigações seletivas contra o governo Dilma e sua base, preservando os políticos do PSDB. Enfim, foi um ataque massivo e orquestrado para derrubar o governo e produzir um golpe na democracia brasileira.
CG: A exploração do pré-sal e a desestabilização do Mercosul podem também ser objetivos desses grupos?
JG: Sim, o golpe tem um fator geopolítico, claro. O Brasil vinha exercendo um papel importante na cena mundial, com várias iniciativas junto aos chamados Brics (grupo político de cooperação formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de cumprir um papel de liderança e apoio aos governos populares e progressistas na América Latina. A autonomia brasileira na exploração do petróleo, inclusive com a abertura para a entrada de investimentos chineses, era algo a ser desestruturado (pelo capital internacional). O programa dos golpistas também prevê a retomada de privilégios e o alinhamento com as políticas do Estado norte-americano, desestabilizando o projeto do Mercosul.
CG: O que a sociedade pode perder se Temer e Cunha assumirem o comando do país?
JG: Se os golpistas vencerem e conseguirem executar seu programa, é a própria Constituição de 1988 e as conquistas sociais e democráticas destes 28 anos de democracia que estariam em risco. O programa dos golpistas ameaça até conquistas das classes trabalhadoras que datam da Era Vargas. E, como já foi inclusive proposto pela bancada ruralista na Câmara Federal, querem até utilizar a violência generalizada contra os movimentos que lutam pela reforma agrária, contra os quilombolas, e contra os índios, cujas terras já estão sendo muito assediadas pelo chamado agronegócio.
CG: Para a classe trabalhadora, quais prejuízos já estão sinalizados?
JG: Este programa é extremamente violento contra os direitos históricos e atuais das classes trabalhadoras, levando adiante agendas de terceirização, precarização e ataques ao salário-mínimo e aos direitos previdenciários. Por fim, o programa ataca fortemente o orçamento público da saúde e da educação, propondo a desvinculação orçamentária dos gastos nos três níveis da federação, algo inclusive já praticado pelos governos tucanos em Minas.
CG: Você considera que passou a haver ataque orquestrado à organização sindical?
JG: Para por em prática tal programa, será necessário que os golpistas criminalizem os movimentos sociais e usar de muita violência.A estratégia deles será a de criar CPIs no Congresso Nacional contra os movimentos sociais, inclusive contra o movimento sindical, no sentido de provar pseudo-irregularidades, que serão fartamente noticiadas pelos oligopólios de mídia, de modo a justificar medidas repressivas.
CG: Como você avalia a atuação da grande mídia nesse projeto antidemocracia?
JG: Os oligopólios da mídia, em particular a Rede Globo, estão tendo um papel fundamental na orquestração do golpe. Esses grupos disseminam informações falsas, opiniões partidarizadas como se fossem neutras ou técnicas, formam as agendas, censuram notícias e opiniões contrárias e espalham e difundem o discurso do ódio fascista contra a esquerda e os movimentos sociais. Os partidos de direita como o PSDB e o PMDB não têm capacidade de mobilizar a sociedade. Se não fosse a propaganda e a convocação da mídia, não teriam acontecido atos com dezenas e até centenas de milhares de pessoas. O próprio juiz Moro utilizou deliberadamente de vazamentos sistemático de delações e segredos de justiça sempre para órgãos de oposição para legitimar as arbitrariedades e ações de viés claramente política da Operação Lava Jato.