“Você viu que o Chico está apoiando os black blocs?”. A pergunta, que ouvi neste final de semana em um almoço de família, me acendeu uma luz amarela. Dois conhecidos, muito bem informados, haviam acreditado no que viram no Facebook: uma foto de Chico Buarque, com parte do rosto coberto, no que seria um apoio ao movimento black bloc. Trata-se de um tremendo engano –ou má fé– de quem começou a espalhar a história dessa forma.
A foto, na verdade, é um registro do fotógrafo João Wainer feito no inverno de Budapeste, e parte do rosto do cantor está coberta por um capuz e por um cachecol preto. A imagem foi capa da revista Trip em 2006.
Nos últimos dias, circularam também fotos de Caetano Veloso e Marcelo D2 posando como black blocs. A de D2 era um claro endosso ao movimento. Foi postada por ele próprio em sua página oficial do Facebook, na sexta-feira 6 de setembro, em apoio aos movimentos do dia seguinte.
A foto de Caetano foi um registro feito no apartamento do Fora do Eixo no Rio de Janeiro (sede do Midia Ninja na cidade) em meio a um episódio que o próprio artista expôs em um artigo no jornal O Globo deste domingo: “eles me pediram para posar com uma camiseta preta atada ao rosto para eles mostrarem a Emma [moça que apareceu como black bloc em uma capa da Veja], que, segundo eles, gostou do meu texto sobre ela. Agora vejo aqui que eles puseram a foto na rede…”. O artista termina afirmando que não é anticapitalista –uma das bandeiras black blocs.
Este episódio do “apoio” dos artistas aos black blocs é o mais novo exemplo de que:
1) O Facebook tem muito, mas MUITO mais poder do que deveria. Além das milhões de pessoas alcançadas na própria rede, veículos da mídia tradicional se pautam pelo site de Mark Zuckerberg sem pensar duas vezes;
2) Você não deveria acreditar em tudo o que vê no Facebook. Não mesmo. Todos somos produtores de conteúdo e, ok, isso é ótimo. De verdade. Mas com isso vem alguma responsabilidade. Cada “like” ou “compartilhar” que você dá tem algum alcance e influência, por menor que seja a sua rede de “amigos” virtuais. Pense duas, três, dez vezes antes de acreditar naquilo que viu. Mesmo que tenha sido postado por um parente, um amigo do peito ou por um grupo “bacana”;
3) Em casos assim, sempre tem alguém ou algum grupo que se beneficia. Conceitos como “criação de narrativas”, “guerra de memes” ou “disputa de versões” soam bem e são supostamente modernos. Só que, na prática, não raro a realidade fica em segundo plano. Fotos e historinhas bem escritas, tendo ou não suporte na vida real, alcançam rapidamente milhares de pessoas e são criadas deliberadamente para te manipular. Abra o olho.