Chacina de Unaí



Chacina de Unaí

Após quase 4.300 dias de sensação de impunidade, os mandantes da Chacina de Unaí finalmente serão levados a júri popular, na Justiça Federal em Belo Horizonte, a partir da próxima quinta-feira, dia 22. Se não houver nenhuma manobra da defesa, serão julgados os irmãos fazendeiros Norberto e Antério Mânica, apontados como mandantes do crime, e os empresários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro, acusados de intermediários do assassinato.

Autora da denúncia, a procuradora da República Mirian Moreira Lima acompanha o caso desde o fatídico 28 de janeiro de 2004, data do assassinato dos quatro servidores do Ministério do Trabalho.
Apesar das provas contundentes, Mirian Lima salienta que caberá ao juiz do tribunal do júri definir se os réus poderão ou não recorrer em liberdade, em caso de condenação. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, a procuradora disse que as penas podem ultrapassar 76 anos de prisão.

Por que demorou quase 12 anos até o julgamento dos mandantes da Chacina de Unaí?
O crime aconteceu em 2004. Em novembro do mesmo ano todos estavam condenados em primeira instância. A partir daí, o que aconteceu foi uma sucessiva interposição de recursos por parte dos advogados dos réus. Uma infinidade de recursos. Somente agora é que se definiu pela competência da Justiça Federal em Belo Horizonte para julgar o caso.

Como funcionam os sucessivos recursos?
Primeiro recorre do julgamento do primeiro grau. Aí o juiz não acolhe e mantém a condenação. Insatisfeitos, interpõem-se recursos no Tribunal Regional Federal. Mais uma vez perdem e então eles recorreram ao Superior Tribunal de Justiça. E assim da mesma forma eles não têm êxito. Aí recorre-se ao Supremo Tribunal Federal. São esses os sucessivos recursos em todas as instâncias do Poder Judiciário. E em cada instância dessas foi interposto mais de um recurso.

O MPF tem provas para pedir a condenação dos réus?
Com certeza. As provas são muito robustas, um trabalho bem feito, em conjunto com a polícia e o Ministério Público Federal. Foi formada uma força-tarefa, com oitivas de testemunhas, coleta de documentos, busca e apreensão. Todas as espécies de provas dentro do Direito foram feitas.

Aponte quais são as provas mais contundentes?
Em relação aos mandantes, existe um conjunto de provas, além da própria confissão dos réus se autoincriminando e incriminando os corréus. Além de tudo, existem medidas cautelares da Justiça. São várias provas e o tempo será curto para expor tudo em plenário. Não tem uma prova mais contundente do que a outra, todas são muito boas. Esse caso foi muito bem apurado. Não deixa dúvidas.

Quais são as provas e quantos anos de prisão o MPF vai pedir à Justiça para os réus?
A dosimetria da pena, com base no entendimento dos jurados, será feita pelo juiz. Não temos perspectiva de pena. No julgamento dos executores houve pena de até 76 anos de cadeia. É possível que aconteça nesse júri também.

Por que os réus resolveram acabar com a vida das vítimas?
A motivação tem relação com as intensas fiscalizações realizadas. Eles estavam insatisfeitos porque não conseguiram acabar com a fiscalização. Os fiscais eram dedicados ao trabalho. As irregularidades eram tantas, mas ao invés de solucionar as irregularidades os mandantes prefiram ceifar a vida dos fiscais.

Conte como foi a participação individualizada dos irmãos Mânicas.
São os mandantes do crime. Mandaram matar mediante recompensa.

Por qual motivo o MP lutou tanto para o julgamento ser realizado em BH?
São razões legais. A ação foi proposta na Justiça Federal quando não tinha Justiça Federal em Unaí. Existe um princípio que se chama perpetuação da jurisdição. E isso foi aplicado. Ou seja, o juiz que iniciou a ação deve concluí-la. Essa é a razão legal. Nesse processo foi utilizado o instrumento jurídico da delação premiada que hoje está na moda, mas que não era utilizado há alguns anos. Explique como foram as tratativas da delação de Hugo Alves Pimenta. Nós recebemos um pedido por parte da defesa dele na época dizendo que ele gostaria de colaborar com o Ministério Público. Então, como o papel dele era de intermediário, a pessoa que na verdade detinha conhecimento de toda a trama, era ideal para colaborar. Ele fez o pedido e houve uma comunhão de interesses com o Ministério Público.

Até que ponto a delação do empresário Hugo Alves Pimenta contribuiu para incriminar os mandantes?
Ela é importante na medida em que nós temos várias provas que formam um pedaço da história. Já o Hugo conhece a história inteira. Fica fácil para os jurados compreenderem. O que a gente espera do Hugo é que ele traga provas novas para júri. Que ele cumpra o papel, dizendo tudo o que ele sabe, declinando do direito constitucional de permanecer em silêncio. É uma escolha dele simplesmente. Esperamos que ele faça uso da escolha optando pela delação premiada.

Por que ele sabe tanto?
O Hugo era o intermediário. Sabe quem foram os executores, porque mataram, quem mandou e quanto foi pago. Ele tem todas as informações.

Quem pagou?
Os mandantes (irmãos Mânicas).

Quem entregou o dinheiro?
Foi o Hugo.

Em caso de condenação, os mandantes vão para a cadeia ou poderão recorrer em liberdade?
Existe a possibilidade jurídica deles recorrerem. Resta saber se terá fundamento. Mas ainda que não tenha eles sempre acham um motivo para recorrer. É um direito constitucional da defesa. A lei confere sucessivos recursos. Se vão recorrer em liberdade não posso dizer porque quem decidirá isso é o juiz.

Um dos réus já foi prefeito da cidade de Unaí. Isso, de alguma forma, dificultou o trâmite do processo?
Na prática, o que se vê é que quando se tem dinheiro para pagar advogados os recursos vão ocorrendo sucessivamente. Quando não se tem dinheiro para pagar advogados não há tantos recursos e o julgamento é mais célere. Se não tem dinheiro, não tem tantos recursos.

Qual o balanço você faz desse caso?
Foi um dos crimes mais bárbaros do país. A democracia foi afetada na medida em que fiscais do trabalho foram mortos no exercício do trabalho, cumprindo rigorosamente a lei. A chacina afetou a democracia brasileira porque se passou tempo demais para dar uma resposta à sociedade. Não temos que culpar ninguém por isso, a não ser a nossa própria legislação que permite uma avalanche de recursos. A sociedade nunca se esqueceu dos fatos, que chocaram também a comunidade internacional. O tempo que passou foi bastante prolongado e trouxe sensação de impunidade para quem faz crime dessa natureza. inalmente, nós esperamos um desfecho nos próximos dias. A gravidade desses fatos não sai da mente das pessoas. Principalmente das esposas das vítimas que tiveram que criar seus filhos sozinhas, sem a presença dos pais.

Jornal Hoje em dia

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