Cartunista Nilson Azevedo lança o livro As Caravelas



Cartunista Nilson Azevedo lança o livro As Caravelas

Publicadas nos principais jornais do Brasil ao longo de 30 anos, incluindo o Estado de Minas, as tirinhas da série “A Caravela”, do cartunista Nilson Azevedo, agora fazem parte de um livro homônimo. A obra foi lançada na sexta-feira (5/8), no 11º Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte, e reúne também, em 128 páginas, outras histórias do autor, como “Pindorama”, “Situação”, “Milagre dos Peixes” e “As Invasões Portuguesas”.

O livro materializa o desejo do cartunista, que faz 74 anos nesta segunda-feira (8/8), de organizar seu acervo autoral, com histórias em quadrinhos, cartuns e tiras desenhadas durante 55 anos de carreira.

“A Caravela” foi feito com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.

Nilson afirma que a iniciativa do livro partiu do amigo, cineasta e economista Carlos Machado. “Ele me inscreveu no projeto cultural da prefeitura. O trabalho maior foi reunir tantos originais, 230 tiras de ‘As Caravelas’”, disse.

A realização da obra, que oferece unidade às histórias do desenhista, segundo ele, é fruto da "solidariedade". “Consegui também ajuda dos meus amigos Cléber e Wellington Srbek e dos meus sobrinhos Érick e Fabiano; sem eles, o livro não seria o que é” explicou.


‘Um batalhão de cowboys barra a entrada da legião dos super-heróis’

A tirinha “A Caravela” foi publicada pela primeira vez no jornal Estado de Minas, em 1975. Com ironia, sarcasmo e humor, o cartunista conta a história sob a ótica de dois marinheiros, Manuel e Joaquim, no período das grandes navegações. Enquanto o primeiro é um agricultor, que, após uma noite de bebedeira, acorda em uma caravela portuguesa, o outro é um plebeu alfabetizado, que, inspirado nas aventuras de Marco Polo, desejava alcançar novos horizontes.

Na ficção, Nilson não somente conta a trajetória dos dois marujos, antes de chegarem ao Brasil, como também retoma a história ocidental, ao citar alguns fatos, como a liberdade de imprensa, a Revolução Francesa e o direito dos trabalhadores. Além disso, para tornar as tirinhas verossímeis, o artista fez uma pesquisa minuciosa para construir os desenhos das embarcações, das roupas e dos acessórios de personagens e dos objetos e armamentos.

“Minha bisavó era uma indígena do povo Puri, e, por isso, eu sempre quis contar a história do Brasil e do descobrimento em quadrinhos. Eu era muito revoltado pelo fato de, nos quadrinhos, só existirem heróis americanos e franceses, por exemplo. Minhas irmãs e eu nos identificávamos mais com os índios do que com os cowboys, presentes no cinema estadunidense. Então, resolvi fazer trabalhos dedicados à nossa história, como no caso de 'As Caravelas' e 'Pindorama'", disse.

O objetivo do cartunista era contar a formação do Brasil se desprendendo da ideia eurocentrista, afinal, como diria o cantor Gilberto Gil, “um batalhão de cowboys barra a entrada da legião dos super-heróis”.

“Eu admirava os quadrinhos americanos, aprendi a desenhar com eles, mas eu sentia falta dos nossos heróis. A história ‘oficial’ brasileira tende a contar sob a ótica dos nobres e líderes portugueses, como Cabral e Fernando de Magalhães. Nas minhas histórias, os protagonistas são dois marinheiros pobres e os indígenas”, disse.

Eu comecei a me questionar cadê os nossos heróis nos quadrinhos, como Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Felipe dos Santos, André Rebouças e Maria Quitéria.

Atemporal e resgate da história

Para ele, muitos problemas da sociedade brasileira vieram com as caravelas portuguesas, o que faz a tirinha ser uma obra política, crítica e atemporal. “As desigualdades, a repressão religiosa, os preconceitos.... Muitas dessas mazelas, infelizmente, continuam, ainda que tenham mudado um pouco. Tudo começou em 1500”, disse.

A história em quadrinhos, segundo o cartunista, exprime o conto de fadas e, a partir do desenho, é possível transferir os leitores para épocas remotas. “Trato dos valores humanos fundamentais e creio que continuam valendo. Alguns ficaram até mais atuais, comparadas ao passado, por causa da vivência atual do Brasil. Com o livro, há um sentido maior também, pois, quando era publicado no jornal, a tiragem era diária, o que separava as histórias”, contou.

Por causa do grande acervo, Nilson tem planos para publicar outros livros que reúnam seus trabalhos e até personagens inéditos. “Eu trabalhei em vários lugares, então pretendo fazer uma obra que conte a história contemporânea do Brasil. Apesar da censura, as charges exploram o que ocorreu no país, desde o Golpe de 64, inclusive tenho personagens que fiz na época e não pude publicar pela censura. Além disso, quero continuar com ‘As Caravelas’ e reunir outras tirinhas, como ‘Negrim’”, afirmou.

Quem é Nilson Azevedo

Nilson nasceu na capital mineira em 1948. Aos oito meses foi morar em Raul Soares, Zona da Mata mineira, onde aprendeu a desenhar caubóis e cavalos e começou a dedicar os quadrinhos. Apesar de gostar de histórias de super-heróis americanos, o cartunista garante que sua maior inspiração foi “A Turma do Pererê”, do chargista e escritor Ziraldo.

A amizade com o mineiro nascido em Caratinga, cidade próxima à Raul Soares, começou quando Nilson tinha 14 anos. “Ele mudou minha vida e foi por causa dele que escolhi a profissão de cartunista. Até o Pererê, eu nunca tinha visto uma história em quadrinho que o herói era negro, com indígenas, flora e fauna tipicamente brasileiras”, disse.

Em 1963, Ziraldo publicou a primeira história do cartunista e chegou a fazer uma caricatura dele. Em 1967, Nilson começou a publicar no suplemento do Jornal dos Sports, onde o editor era o autor de “O Menino Maluquinho”, e, em seguida, passou a fazer tirinhas para jornais, como O Cruzeiro, O Pasquim, Estado de Minas, Diário de Minas, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil, dentre outros grandes veículos de comunicação brasileiros.

Ele também relembrou do editor do extinto suplemento ‘Gurilândia’, do EM, André Carvalho, que retirou a tirinha “Luluzinha” para publicar “Negrim”. “Foi recorde de audiência e durou três anos e meio. O personagem saía semanalmente no jornal e fazia viagens pelo interior do Brasil. Se não fosse a minha vivência em Raul Soares, não teria como fazer o quadrinho. Também, com outros artistas, fizemos o ‘Mordaz’, para o jornal. O André era um gênio, devo muito a ele”, disse.


Obras relevantes e que fazem parte da comunicação nacional


Em “Pindorama”, Nilson retrata o encontro dos europeus com os indígenas, que, inicialmente, foi amigável e, pouco tempo depois, se tornou hostil e opressora. Já “As Invasões Portuguesas” foram criadas nos anos 1980 e 1990 e conta a histórias após a chegada dos portugueses ao Brasil, de forma fiel e sem perder as características marcantes do cartunista, com muito humor e crítica mordaz.

Além disso, a HQ “Ficando”, criada em 1999 para participar do concurso do FIQ-BH e posteriormente publicada na Revista Bundas, narra a chegada de Cabral ao Brasil, de forma poética e irônica. Na história, é incluído eventos históricos, como o abandono de degredados no Brasil e a redação da Carta de Caminha.

Informações e compra do livro:

@nilsonazevedo_cartunista


Fonte: Estado de Minas, por Ana Magalhães 

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