A Câmara dos Deputados aprovou, por 323 votos a 172 e uma abstenção, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, também conhecida como PEC do Calote. Foram 15 votos a mais que os 308 necessários para aprovar uma alteração na Carta Magna. A base do governo de Jair Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu superar a votação do primeiro turno, na semana passada, quando a matéria recebeu 312 votos a favor e 144 contra.
Na prática, a proposta, ao postergar o pagamento dos chamados precatórios, constitucionaliza o calote contra os credores da União. Em vez de honrar as dívidas judiciais, o Executivo pretende aproveitar os cerca de R$ 90 bilhões do Orçamento do próximo ano para garantir o pagamento do chamado Auxílio Brasil de R$ 400 de dezembro até o final de 2022, incrementando assim a disputa de Jair Bolsonaro pela reeleição.
“A Câmara encerra um capítulo tenebroso de sua história”, nas palavras do deputado federal Joseildo Ramos (PT-BA), em seu discurso antes da votação. “A população vai pagar caro a destruição da democracia, da República”, acrescentou. A oposição, que acusa Lira e o governo de terem constitucionalizado a corrupção, tentou obstruir e prolongar as discussões, mas suas tentativas e requerimentos foram todos derrotados por ampla maioria.
Para conseguir votar a PEC dos Precatórios, Lira impôs uma celeridade nunca vista. O plenário aprovou requerimento para dispensar o cumprimento do intervalo regimental entre o primeiro e o segundo turnos. Os deputados votaram oito destaques apresentados pelos partidos que queriam mudar trechos do texto do relator Hugo Motta (Republicanos-PB), aprovado na semana passada.
Apenas um destaque foi aprovado. Em derrota pontual do governo e de Lira, a Câmara suprimiu do texto um dispositivo da PEC que isentava o governo de pedir autorização ao Congresso Nacional para se endividar e pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias, e assim descumprir a chamada “regra de ouro”.
Derrota no STF
Ainda durante a tarde de terça-feira (9), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela suspensão das emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. Os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes seguiram o voto da relatora, Rosa Weber, que concedeu a liminar nesse sentido na sexta-feira (5).
A avaliação da oposição era a de que, com a decisão do Supremo, muitos parlamentares votariam contra a PEC dos Precatórios. “A PEC 23 subiu no telhado. O STF acaba de formar maioria contra o orçamento secreto. E agora, Bolsonaro?”, postou a deputada Maria do Rosário (PT-RS) nas redes sociais. “A decisão do STF é uma vitória da Democracia e da Constituição. As emendas de relator violam os princípios da publicidade e da impessoalidade e são o combustível do esquema ilegal montado por Bolsonaro para comprar o apoio de parlamentares”, comentou Marcelo Freixo (PSB-RJ).
“6 a 0 no Supremo, vai acabar o orçamento secreto e o ‘bolsolão’ nesta Casa”, comemorou o deputado Rogério Correia (PT-MG). O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que a decisão da Corte representou “importantíssima vitória da democracia, da República, da transparência e do bom uso do dinheiro público”, já que o governo vinha usando o orçamento secreto “para formar maioria no Parlamento e aprovar as suas propostas”.
Porém, as expectativas foram frustradas pela realidade: trata-se do Congresso Nacional mais reacionário desde a redemocratização do país e da Constituição de 1988.
Argumento bolsonarista
Antes da votação, o presidente do PDT, Carlos Lupi, anunciou no Twitter que, em reunião, a Executiva Nacional e a bancada federal concordaram em encaminhar voto contrário no segundo turno da PEC dos Precatórios. “É uma pedalada fiscal gigantesca que Bolsonaro quer empurrar pra cima dos brasileiros!” Segundo ele, a PEC 23 é um “cheque em branco absurdo”. A emenda abre espaço fiscal de R$ 91 bilhões para o governo Bolsonaro em 2022.
Por sua vez, os bolsonaristas protestaram contra a decisão do STF com o argumento repetido incontáveis vezes pelo chefe de governo. “Dia após dia (o tribunal) tem interferido na autonomia do poder Legislativo”, reclamou Delegado Marcelo freitas (PSL-MG).
O pretexto governista é o financiamento do Auxílio Brasil, que Bolsonaro anuncia como substituto do extinto Bolsa Família. Até mesmo a compra da vacina foi justificativa do Centrão e do Bolsonarismo. “É um escárnio. O presidente da República é contra a vacina e sabotou o tratamento das pessoas”, protestou Ivan Valente (Psol-SP). A PEC serve para “comprar votos para apaniguados do governo”, acrescentou.
“Mágica imoral”
Já o presidente do PSB, Carlos Siqueira, em carta aos deputados do partido, afirmou que o projeto do governo é “totalmente contrário aos princípios da justiça defendidos pelo PSB e flagrantemente adverso à atuação da oposição ao governo, na qual o PSB se inscreve com todo o peso de sua história de mais de 70 anos”. O partido orientou a bancada a votar “não’, assim como o PDT. O MDB orientou “não” e o PSDB, numa postura considerada suicida por analistas, recomendou “sim”, com Bolsonaro e Lira.
O deputado Enio Verri (PT-PR) lembrou que o Auxílio Emergencial atendia 39 milhões de brasileiros e o novo projeto de Bolsonaro vai atender 17 milhões. “E os outros 22 milhões, vão morrer de fome?”, questionou. Segundo ele, a PEC dos Precatórios é uma “mágica” para financiar o processo eleitoral e é imoral. Para Rogério Correia (PT-MG), é difícil o governo explicar a PEC, já que não tem nenhuma estratégia de fazer o país crescer. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) falou do “mercado especulativo” de precatórios que será criado e da “violência” contra os milhões de credores da União.
Mas o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), classifica a PEC como uma “rampa de ascensão social”. O novo benefício criado por Bolsonaro já nasce com prazo para ser extinto, no final de 2022, logo após as eleições.
“Mercado de precatórios”
O líder do PCdoB, Renildo Calheiros (PE), chamou a atenção para outro aspecto pouco comentado, mencionado por Jandira: a PEC cria um mercado de precatórios. Assim, pessoas, empresas e grupos econômicos comprarão precatórios com deságio. “Se você pode utilizar precatórios para comprar ações de empresas públicas, essas figuras vão ganhar montanhas de dinheiro”, alertou.
O governo Bolsonaro, afirmou Henrique Fontana (PT-RS), “incluiu o Bolsa Família nos seus planos de destruição”.
Fonte: Brasil de Fato