Bolsonaro usou o governo para apoiar grupo que abriu guerra contra o MST na BA



Bolsonaro usou o governo para apoiar grupo que abriu guerra contra o MST na BA

Depois de um ano de "guerra-fria" e troca de acusações com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no sul da Bahia, uma comitiva de Jair Bolsonaro (PL) ancorou no município baiano de Teixeira de Freitas, em 28 de setembro de 2021, onde o presidente entregou o título de domínio (TD) de propriedades rurais para pequenos agricultores da região.

Um dos beneficiados pelo documento fundiário foi Liva do Rosa do Prado, ex-militante do MST que se tornou aliado de Bolsonaro depois de ser acusado pelo movimento de tentar cooptar as famílias que vivem na área, prometendo facilidades para acessar o título das terras onde estão acampadas.

Durante o evento, sem maiores cerimônias, o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, o pecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia, revelou porque os integrantes do Planalto se deslocaram até o sul da Bahia para aquela ocasião:

“Nós estivemos aqui há mais de um ano e vimos uma cena lamentável, senhor presidente da República. Aqui, uma organização criminosa chamada MST, apoiada por um governo irresponsável, do PT, que tem uma quadrilha de violentos e vândalos que estão apoiando destruir casas, ameaças e agressão, como foi o caso da dona Vanuza”, diz Garcia ao microfone.

A mulher citada é a agricultora Vanuza Santos de Souza, ex-assentada do MST, que acusa militantes do movimento de a terem agredido e expulsado de um lote, no acampamento Fábio Henrique, em Prado, no sul da Bahia, em abril de 2020. Na época, ela gravou um vídeo que foi divulgado por Bolsonaro.

Vanuza também é acusada pelo MST de tentar cooptar famílias assentadas, mesma prática que teria sido adotada por Liva, segundo o movimento.

Políticos presentes

Além de Nabhan Garcia, estiveram no palco, ao lado de Bolsonaro, o ministro Onix Lorenzoni, que chefia o Ministério do Trabalho e Previdência Social; e o senador Fernando Collor de Mello (PROS), um dos pilares do bolsonarismo no Congresso Nacional.

Nos bastidores, a cúpula do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), liderada pelo presidente do órgão, Geraldo Melo Filho, preparava-se para apresentar a Bolsonaro os frutos de uma ofensiva contra o MST da região.

“O senhor [Bolsonaro] postou em suas redes sociais, um vídeo, que foi encaminhado por um assentado do assentamento Rosa do Prado, que hoje está aqui, o Liva. Eu queria agradecer a ele e a tudo que aconteceu na sequência, porque quem colocou dúvida nesse governo e sua capacidade de realizar, hoje está vendo que apostou errado”, celebrou Melo, presidente do Incra.

Recompensa pelos "serviços prestados"

Nos bastidores do evento, a formalização da posse da área foi tratada como uma gratificação ao ex-militante do MST, que se aliou a um grupo bolsonarista na região e passou a coordenar uma ofensiva violenta contra o movimento e seus integrantes desde 2020.

O Incra informou que “Elivaldo Costa foi citado como presidente de uma associação de beneficiários da reforma agrária, que apoiou e acompanhou o trabalho desenvolvido em campo. Ele foi contemplado com o título definitivo do seu lote no assentamento Reunidas Rosa do Prado, porque atendeu a todos os requisitos do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) para emissão do documento.”

Falsas promessas de regularização das terras

As histórias de Vanuza Santos de Souza e Liva se encontram em um episódio recente.

A produtora rural e Valmir da Conceição Oliveira, conhecido como Nil, deixaram o acampamento Fábio Henrique em 13 de abril de 2021.

Ambos são acusados pelo movimento de tentar cooptar as famílias que vivem na área, prometendo facilidade para acessar o título de domínio das terras onde estão acampados.

"O MST, assim como outros espaços, tem suas normas e princípios. Desde que não cumpridos, as pessoas são retiradas do convívio das famílias", explica Eliane Oliveira, dirigente estadual do MST no sul da Bahia, que nega que tenha havido violência no episódio.

Ainda de acordo com militantes do MST, Nil e Vanuza alegavam que Liva estaria próximo do Incra e de Bolsonaro. Por isso, havia a garantia, para os que abandonassem o movimento, de que teriam a posse de suas terras. Segundo os relatos, o trio ameaçava invadir as casas dos acampados e expulsá-los, caso não desertassem do movimento.

Um dos militantes do MST, que vive acampado no Fábio Henrique, um feirante que pediu para não ser identificado, que chamaremos de Arnaldo, explica o método adotado por Nil e Vanuza.

“Eles prometem uma titulação que vai ser falsa, porque essa terra está em processo de negociação com a Fibria. Então, essa proposta que eles fazem não é verdade. Eles ficam o tempo todo dizendo para os assentados que se forem para o lado deles, eles vão conseguir o documento da terra”, explica o sem-terra.

Acampamento Fábio Henrique

No acampamento Fábio Henrique, vivem 173 famílias, que ocupam a área desde 23 de junho de 2007.

O terreno faz parte de uma área de 30 mil hectares de terras, no sul da Bahia, que foram entregues ao Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA) pelas empresas Fibria S.A., Suzano Celulose e Papel e Veracel, após negociações com o governo da Bahia, que começaram em 2009 e foram concluídas em 2015, quando foi implementado o projeto dos assentamentos Jaci Rocha e Antônio Araújo, ambos em Prado.

O governo federal comprou os terrenos das empresas, que se comprometeram a não buscar a Justiça, exigindo reintegração de posse, em áreas ocupadas pelo MST no sul da Bahia.

As áreas que já foram reconhecidas como assentamento pelo Incra podem fazer a partilha dos lotes, e os assentados devem requerer a entrada na Relação dos Beneficiários (RB) do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), para que recebam o Contrato de Concessão de Uso (CCU), o Título de Domínio (TD) ou a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

No entanto, nas áreas que ainda não foram reconhecidas como assentamento, ou seja, que ainda são acampamentos, os moradores não podem receber nenhum documento que os reconheça como proprietários das terras. Dessa forma, as promessas feitas por Liva, Vanuza e Nil não se sustentam.

Ataque ao acampamento

Em 31 de outubro de 2021, o acampamento Fábio Henrique foi alvo de um ataque. Homens armados entraram na área social do acampamento atirando e fizeram reféns. Na fuga, atearam fogo em dois ônibus que são utilizados para o transporte de moradores da área e para levar crianças às escolas da região.

Uma parte dos homens que atacaram o acampamento não utilizou máscaras. Por isso, algumas das vítimas identificaram duas pessoas bem conhecidas dos militantes do MST no sul da Bahia: Liva e Nil.

“Os encapuzados, é difícil de reconhecer. Mas tinham muitos sem máscara, tinha o Nil, tinha o Liva, tinha o Adriano [Filho, ex-militante do MST], tinha o Edílson [de Jesus do Vale, ex-militante do MST] e vários outros que eram assentados aqui na área. Eles falam o tempo todo que, quem não for para o grupo deles, perde o lote”, diz Arnaldo.

Benedito Souza, o Bené, estava no Fábio Henrique para compartilhar seu conhecimento sobre o plantio de milho com os acampados. No dia 31 de outubro, chegava para uma reunião na área social do acampamento. Quando passou pela porteira, foi seguido por um Fiat Uno e se tornou um alvo fácil para os disparos do bando.

“Tinham pessoas que não estavam com máscara. Foi o caso do rapaz que me atirou. Quando ele desceu do carro pequeno e veio para linha de tiro, deu pra ver, era o Liva, que a gente acredita que foi o mandante, até pelas coisas que vem falando nos grupos de WahtsApp”, afirmou Bené, que não foi atingido, mas teve a moto perfurada por dois disparos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Liva negou a participação no crime. “Não, em hipótese alguma. Um cara vai fazer um ataque, vai um monte de pessoas encapuzadas, o único que deveria estar de capuz [por ser conhecido na região], não estava de capuz e gritando ‘mata todo mundo’?”, pergunta o bolsonarista, que acusa o MST de ter simulado o atentado ao próprio acampamento.

O Brasil de Fato teve acesso a um áudio enviado por Liva em um grupo de militantes e ex-militantes do movimento. Na gravação, o ex-assentado se gaba dos ataques e minimiza o fato de ter sido identificado pelos acampados.

“Desde domingo, vocês falando que eles tiraram foto, postou foto no grupo, dizendo que eu ia sair preso, que iam me levar, ia dar flagrante. Tô em casa, tô aqui em casa. Não devo nada a filha da p*** nenhum de vocês, tá? Tô em casa, de boa”, disse Liva.

Na sequência, mais ameaças. “Os trabuco já estão armado, tudo no jeito e afiado. Tô com medo dessa chuva, aí tem que colocar um plastiquinho em cima de cada um, para não molhar a espoleta, os trabuco tá tudo armado. É só vir pela mata que o bambu geme, cambada de filha da p***. Se a Vanuza tivesse colocado trabuco lá, mais Nil, vocês tinham se lascado, tinham se f*****, se ferrado, tinha se lascado. Mas não colocou, aí acontece o quê? Uma hora da manhã, desligou a luz, pegou a mulher. Tem que se f****, rapaz.”

Liva confirmou a autoria do áudio, mas ponderou que “estava sendo provocado”. Sobre as armas, contemporizou: “Essa história de 'trabuco', eu já falei pra polícia várias vezes, não tem trabuco”. No entanto, na sequência, o bolsonarista admitiu que já armou emboscada contra o movimento.

Outro lado

O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Assuntos Fundiários, via Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Até o fechamento da matéria, a pasta não havia enviado respostas para os questionamentos da reportagem. Caso o faça, o texto será atualizado.

Após contato por telefone e e-mail com a reportagem, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia não se manifestou.

Igor Carvalho/Brasil de Fato (SP)

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