Boa parte do país já renunciou ao presidente



Boa parte do país já renunciou ao presidente

O beija-mão do presidente Michel Temer em plateias de empresários, em São Paulo, foi uma cartada forte –e desesperada– de quem se aferra na economia para salvar-se da política. Assim como o deputado Rodrigo Maia (um dos candidatos a substituí-lo numa eleição indireta), Temer disse o que os investidores nacionais e estrangeiros presentes queriam ouvir. Mas grita mais alto o fato notado: a baixa adesão de empresários e banqueiros nacionais de peso.

Em se tratando de perspectiva econômica, no entanto, otimismo e tensão andam lado a lado neste momento. É o calvário de Temer, e ao mesmo tempo a luz redentora no seu horizonte. Uma luz turva, mas ainda assim uma luz.

Embora a crise política deflagrada pela delação premiada de Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, já afete a decisão de investimentos no país, as perspectivas para a turma do dinheiro são mais animadoras do que eram, no passado recente, no governo da presidente Dilma Rousseff. Neste momento, enxergam na charanga de Temer um esforço especial na aprovação de reformas pró-mercado. Naquele, a elite financeira enxergava um DNA de origem propício à desconfiança.

É uma diferença enorme, capaz de salvar Temer, ou pelo menos prolongar sua estadia no Palácio do Planalto muito mais que se supunha imediatamente à divulgação de sua conversa nada republicana com Joesley Batista.

>O que se viu nos últimos dias foi uma tentativa de Temer de escapar da sina de Dilma, que ele mesmo ajudou a (a)fundar: a sina de ver parte do país renunciar ao presidente. Comparações, neste caso, são pedagógicas. Explicam a história e iluminam a natureza das coisas.

Os personagens podem ser diferentes, as sombras se mostram hoje muito mais sombrias e a crise atingiu o epicentro de funcionamento e credibilidade do governo –o 3º andar do Palácio do Planalto– com a prisão de assessores que trabalhavam na sala ao lado do presidente. Tudo muito diferente em relação às angústias dos meses finais do governo da presidente Dilma. Mas quem viveu de perto a espiral descendente do 2º mandato de Dilma enxerga pelo menos uma grande semelhança: sabe-se como termina o enredo da crise.

Com Dilma, governo aprisionado. E com Temer?

Foi o que se viu naqueles turbulentos meses entre 2015 e 2016. O fantasma do impeachment aprisionou o governo no que tinha de agenda a cumprir com o Brasil. A agonia estendida aprisionou o país. Era uma rotina cruel, torturante, fatigante. Sustos às 6 da manhã com novas operações e vazamentos de delações. Sustos às 6 da tarde com novas manobras regimentais de Cunha. Sustos à meia-noite com tramas forjadas no Palácio Jaburu. Sustos a qualquer hora do dia e da noite com sucessivas e contínuas debandadas de partidos aliados ao governo.

Fora dos muros palacianos, o apoio externo, já minguado, ia se desfalecendo. Entrevistas favoráveis concedidas por empresários minguavam. Declarações de porta-vozes, assessores, ministros e até mesmo da presidente passavam a ser pouco levadas em conta pela imprensa: os ouvidos só se tornavam apurados quando se tratava de novas crises, análises críticas ou prognósticos desabonadores para o governo. Inércia, paralisia –a presidente tentava governar, sem sucesso; as pressões contra o governo a impediam, com sucesso.

Pouco a pouco se ignoravam o esforço do ministro Nelson Barbosa, alçado à Fazenda após a queda de Joaquim Levy, em dezembro de 2015. Barbosa conduziu a economia naqueles meses finais de governo com responsabilidade, sem aventuras ou “guinadas à esquerda”, como muita gente do PT pediu (algo que lhe garantiu muitos xingamentos saídos do Instituto Lula). Chegou a ensaiar a defesa da reforma da Previdência, logo abortada por falta de ambiente no Congresso e na sociedade.

O presidente Michel Temer busca escapar desta sina do aprisionamento. De um lado, os recados pró-mercado. De outro, generosidade explícita para manter parlamentares aliados. Como Dilma, tende a se tornar presa fácil da habitual chantagem parlamentar.

Gravidade

O caso de Temer é muito mais grave na comparação de roteiros sombrios entre os 2 presidentes. Deu-se um encontro na calada da noite numa residência oficial, com um investigado que se gaba de comprar juízes e um procurador, e de manter um bom relacionamento com um deputado preso. Com ou sem pagamento para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, hoje pouco importa para a credibilidade de um presidente que fingiu nada ter a ver com os crimes relatados à sua frente e chamou de “boa índole” um amigo filmado correndo na rua com uma mala de dinheiro.

Vale o conselho de Oscar Wilde: “As primeiras impressões estão sempre certas”. É o que torna tão difíceis as condições de Temer para governar, ainda que hoje sejam melhores do que já estiveram.

Nestas horas, os agentes econômicos perdem a crença de que o governo pode chegar a algum lugar. A sociedade se divide. Dilma ainda tinha apoio de multidões que, mesmo críticas a ela e ao seu governo, se debatiam contra o processo. Temer, nem isso.

Observando essa paisagem, os aliados começam a fugir –como se viu no jantar que Temer tentou organizar há dez dias com líderes de sua base, cancelado devido à baixa adesão. A 3 dias da votação do impeachment na Câmara, no mesmo palácio Dilma reunia parlamentares para um café da manhã. Previam-se 50 nomes. Foi a metade. Faltou até mesmo um dos seus principais líderes, o peemedebista Leonardo Picciani.

Dilma sempre teve dificuldade para seduzir parlamentares –especialmente a sedução nos moldes imaginados e esperados em Brasília. Temer é mestre nesta arte. Sua base no Congresso se estremeceu, mas ainda é muito mais eficaz, para o governo, do que se via no fim do governo Dilma.

Um governo se mostra frágil quando precisa de um road show em defesa de si mesmo. Um governo chega ao fim quando um presidente precisa vir a público negar a própria renúncia.

Sem ser tisnada por suas conversas palacianas, Dilma negou e lutou até o fim. Para Temer, vale a máxima: as pressões externas, a desconfiança crescente e os encontros vexatórios farão com que as migalhas de poder esfarelem o governo dia a dia, até que vire nada.

A renúncia pode não chegar, mas boa parte do país já renunciou ao presidente. Resta ver se ele consegue salvar a banda que ainda não lhe virou as costas de vez.

Fonte: Poder 360

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