Enquanto as mil pessoas mais ricas do mundo recuperaram todas as perdas financeiras causadas pela pandemia do novo coronavírus em apenas nove meses, entre fevereiro e novembro do ano passado, a população mais pobre do planeta irá levar ao menos 14 anos para conseguir repor as perdas econômicas em razão da proliferação da covid-19.
O dado é revelado pelo relatório O Vìrus da Desigualdade, que foi lançado pela Oxfam na segunda-feira (25) no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
Formulado a partir de índices da Forbes e do Banco Mundial, entre outras fontes, o documento escancara como a pandemia impacta a população em condição de vulnerabilidade de maneira muito mais perversa.
A exemplo de como aconteceu no Brasil, com a chegada do vírus, a fome e o desemprego retornaram com força aos lares dos mais pobres em diversos países.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que cerca de meio bilhão de pessoas estão atualmente subempregadas ou sem emprego em todo o mundo.
Do outro lado, os mais ricos retornam a patamares anteriores a covid em tempo recorde. Considerando 100% da riqueza acumulada em fevereiro, houve uma queda para 70% em março, com retorno a 100% já em novembro de 2020.
Para fins de comparação, no que tange a velocidade dessa recuperação, a Oxfam aponta que os mais ricos do planeta levaram cinco anos para recuperarem o que perderam durante a crise financeira de 2008.
Não só os super-ricos recuperaram-se rapidamente durante a pandemia como aumentaram sua fortuna: entre março e dezembro do ano passado, os dez maiores bilionários do planeta acumularam US$ 540 bilhões.
A organização estima que o valor é suficiente para pagar pela vacina contra a covid-19 para toda a população global, assim como para garantir que nenhum cidadão entre na linha da pobreza em decorrência da pandemia.
Ainda de acordo com o relatório, os bilionários acumularam US$ 3,9 trilhões entre no mesmo período, apresentando atualmente a riqueza total de US$ 11,95 trilhões. A cifra é equivalente ao que os governos do G20 gastaram para combater o coronavírus.
Outro mundo é possível?
O relatório da Oxfam enfatiza que a crise sanitária e econômica explicitou todas as limitações da vigente lógica econômica, e, ao mesmo tempo, reforçou a importância das ações governamentais para assegurar os direitos humanos.
A organização endossa o peso da escolha política dos gestores públicos e argumenta que a pandemia expôs como a implementação de medidas transformadoras é possível, como, por exemplo, a garantia de renda.
Frente aos índices que serão apresentados em Davos nesta segunda (25), a Oxfam sugere a definição de metas concretas e com prazos para a redução da desigualdade e não apenas a busca pelo retorno aos níveis anteriores ao coronavírus.
“É necessário ir além do Produto Interno Bruto (PIB) e começar a valorizar o que realmente importa. O combate à desigualdade deve estar no centro dos esforços de resgate e recuperação econômica. Isso deve incluir igualdade de gênero e raça. Países como Coréia do Sul, Serra Leoa e Nova Zelândia se comprometeram a reduzir a desigualdade como prioridade nacional, mostrando que isso é possível”, diz o relatório.
Sendo as políticas de distribuição da riqueza elementos essenciais para uma recuperação econômica rápida, o documento cita outras medidas emergenciais que podem ser adotadas.
Um imposto temporário sobre os excessivos lucros obtidos pelas 32 corporações globais que mais lucraram durante a pandemia, por exemplo, poderia ter arrecadado US$ 104 bilhões em 2020.
“Isso é o suficiente para providenciar auxílios desemprego para todos os trabalhadores e trabalhadoras afetados durante a pandemia e também para dar apoio financeiro para todas as crianças e idosos em países de renda baixa ou média”, frisa o documento.
O combate ao colapso do clima por meio de uma economia sustentável, que também reconheça e repare as desigualdades históricas de gênero e raça, são elementos outros elementos apontados como imprescindíveis
Ainda segundo a Oxfam, a receita de austeridade deve ser abandonada e substituída pela garantia de renda, independente de gênero ou raça, acompanhado do investimento contínuo em serviços públicos universais, “a base de sociedades livres e justas com um poder incomparável para reduzir a desigualdade.”
A busca por uma “vacina popular” para combater a covid também deve ser urgente. Para isso, os governos “devem enfrentar as empresas farmacêuticas e insistir no acesso aberto a todas as patentes e tecnologias relevantes para permitir vacinas e tratamentos seguros e eficazes para todos”.
A tributação de grandes fortunas e corporações também figuram entre as propostas da organização, incluindo o aumento de impostos sobre transações financeiras e o fim da evasão fiscal.
“A tributação progressiva dos estratos mais ricos da sociedade é a pedra angular de qualquer recuperação equitativa da crise, pois permitirá o investimento em um futuro sustentável e equitativo”, destaca o texto.
Fonte: Brasil de Fato