Barbosa, o magistrado coiceiro



Barbosa, o magistrado coiceiro

Do barraco protagonizado por Joaquim Barbosa brota uma certeza: os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) precisam mudar o critério de escolha adotado para a chefia do Poder Judiciário nacional. Os ministros, por tradição, votam no mais antigo entre aqueles que ainda não ocuparam a presidência. Assim, ao tomar posse no cargo, um ministro pode fazer o cálculo do ano que assumirá a vice e a presidência da mais alta Corte. E antes de nela chegar pode, se quiser, passar por iguais encargos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por esse critério rotativo, o ministro que cumpre o mandato presidencial ingressa no fim da fila e, a depender da idade e do fato de a “fila andar”, poderá voltar aos supremos encargos. Como se percebe, parte-se do juízo incorreto de que aquele preparado para as funções jurisdicionais possui inerentes condições ao bom desempenho administrativo, incluídas a condução das supremas sessões e a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão sem função jurisdicional.

Nunca se pode desprezar a sabedoria popular portuguesa com base em experiência de origem medieval: “Se queres conhecer o vilão, dê-lhe o bastão (poder)”. Barbosa, até a véspera da eleição presidencial, jamais cultivou, pelo comportamento revelado nas sessões públicas, o trato urbano e civilizado para assumir a presidência do STF. No jargão luso-brasileiro usado nos fóruns e palácios de Justiça pelos operadores do direito, trata-se de um “juiz coiceiro”. Mas, por votação unânime, os ministros apostaram na sua mudança cultural e comportamental e, mantida a tradição, elegeram-no, apesar do desastre anunciado.

Com efeito, não representou surpresa o “barraco” que ofendeu, no campo criminal, a honra do ministro Ricardo Lewandowski e levou, no processo apelidado de “mensalão”, à suspensão da sessão plenária de julgamento dos embargos declaratórios apresentados pelo réu Bispo Rodrigues, condenado, quando era deputado federal, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, às penas de seis anos e três meses, em regime aberto, e pagamento de multa individualizada em 754 mil reais.

No lamentável episódio, Barbosa apresentou-se como se fosse o juiz dos juízes e desprezou o princípio constitucional do livre convencimento motivado de um julgador. Seu papel, em razão do salutar e normal dissenso processual e em face da intervenção de um Lewandowski que já fora revisor do “mensalão”, era o de submetê-lo ao debate e, como em todo o colegiado, colher os votos e proclamar o resultado. Barbosa deixou de lado a solenidade e se comportou como um rude e autoritário síndico de condomínio residencial. Na primeira sessão depois do “barraco” e do julgamento dos embargos declaratórios, esperava-se sua retratação, mas ele preferiu a pior saída, ou seja, justificar o injustificável e como se fosse legítimo ofender, com o emprego do termo chicaneiro, um colega.

Para quem milita na Justiça, registre-se, uma das piores ofensas consiste em atribuir a um sujeito processual o qualificativo de chicaneiro, ou melhor, imputar-lhe autoria de tramoias processuais não voltadas para a salutar busca da Justiça, mas, ao contrário, de interesses reprováveis. Barbosa tentou passar a imagem de atuação legítima e voltada a dar maior celeridade ao julgamento. Foi triste verificar um presidente do STF desconhecer o fato de o processo penal ter como meta ideal não a celeridade, mas não deixar impunes os crimes e não punir os inocentes. O ministro decano Celso de Mello passou um sabão em Barbosa e, em tom de satisfação pública, recordou direitos e garantias constitucionais fundamentais e proclamou poder representar um voto vencido a “semente de grandes transformações”.

Barbosa ousou replicar e só conseguiu espalhar indicativos de que poderá recair a qualquer momento. Ao levantar questão sobre a data da consumação do delito de corrupção passiva, Lewandowski trouxe para discussão matéria que extrapolava os limites dos embargos declaratórios, mas guardava total pertinência em sede de habeas corpus de ofício, que pode e deve ser concedido diante de ilegalidade que afeta o direito de locomoção de um cidadão. A Corte mostrou, até agora, somente aceitar os embargos declaratórios para a correção de contradições, obscuridades, dúvidas e omissões. Revisão do julgado e revalorização das provas só teremos em embargos infringentes. Isso se forem recebidos e os ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki entenderem em participar sem lembrar Pilatos, ou melhor, sem pilatices.

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