O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou a distribuição gratuita de absorvente menstrual para estudantes de baixa renda de escolas públicas e mulheres em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade. A decisão foi publicada ontem, no Diário Oficial da União (DOU). O projeto, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), havia sido aprovado pela Câmara em agosto e pelo Senado no mês passado.
O chefe do Executivo sancionou a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas os pontos principais que previam a gratuidade do produto de higiene foram vetados. O argumento é de que o texto do projeto, apesar da "meritória iniciativa do legislador", "não estabeleceu fonte de custeio". Na justificativa, Bolsonaro disse, ainda, que consultou o Ministério da Economia e da Educação, que recomendaram o veto porque "a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino".
O presidente vetou, ainda, o trecho que incluía absorventes nas cestas básicas distribuídas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Mas manteve um trecho que institui "estratégia para promoção da saúde e atenção à higiene feminina", além da promoção de campanhas informativas e de conscientização da população acerca da importância do tema. Com o veto parcial do presidente, o texto retorna ao Congresso Nacional.
A bancada parlamentar feminina repudiou com veemência a decisão do Planalto e articula a derrubada do veto. A deputada federal Marília Arraes (PT-PE) ressaltou que "muitas meninas entre 15 e 17 anos não têm condições financeiras para comprar absorvente. A luta contra a pobreza menstrual é uma luta de todas as mulheres e sociedade. Seguimos firmes pela derrubada", apontou.
A decisão do Planalto contrariou até integrantes do PP, partido aliado do Planalto e possível legenda de Bolsonaro para 2022. A coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Celina Leão (PP-DF), disse que o governo precisa rever seus princípios. "Se R$ 84 milhões for muito dinheiro para o governo dar condições a meninas e a mulheres, eu acho que o governo tem de rever seus princípios. Ele tem de repensar a forma de tratar as mulheres do Brasil", disse, em plenário. Segundo o parecer da relatora do projeto na Câmara, deputada Jaqueline Cassol (PP-RO), a proposta previa um gasto anual de R$ 84,5 milhões por ano, com a delimitação do público a ser atendido de 5.689.879 mulheres.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) destacou, por meio das redes sociais, que o presidente "mostra desprezo pela dignidade das mulheres vulneráveis e pela luta da sociedade contra a pobreza menstrual". Disse que, ao contrário da justificativa apresentada pelo Planalto, o PL especifica que a fonte de recursos seria proveniente do SUS, do Fundo Penitenciário e do Ministério da Educação.
Leila Barros (Cidadania-DF), procuradora da Mulher no Senado, afirmou que a bancada feminina vai "batalhar" pela derrubada do veto. Ela disse que o governo demonstra, com a decisão, "total desinteresse pelas estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; às mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema; às mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal e às mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa". E acrescentou, em nota: "A Procuradoria Especial da Mulher do Senado acompanhará a Sessão do Congresso para analisar o veto e sua possível derrubada, para garantir que o Estado preencha essa falha e garanta o acesso aos cuidados básicos de saúde menstrual".
No final da tarde de quinta-feira (7/10), a apoiadores na porta do Alvorada, Bolsonaro comentou o veto. E fez contas sobre o valor da distribuição do item de higiene. "Dá R$ 7 milhões por mês. Cada mulher teria oito absorventes por mês e, se fizer as contas, ele (sic) diz que custaria R$ 0,01 pra distribuir. Eu perguntei para ele (sic). E a logística para distribuir para o Brasil todo? É irresponsabilidade apresentar um projeto e aprovar no parlamento sem apontar fonte de custeio. Igual eu vetei, pouco tempo atrás, internet para todas as escolas", comparou.
O que é pobreza menstrual?
É caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam para cuidados envolvendo a própria menstruação. Afeta brasileiras que vivem em condições de pobreza e situação de vulnerabilidade em contextos urbanos e rurais, por vezes sem acesso a serviços de saneamento básico, recursos para higiene e conhecimento mínimo do corpo. Na falta de condições para aquisição de absorvente descartáveis ou de tecido reutilizáveis, coletores menstruais, papel higiênico e sabonete, acesso a saneamento básico, garotas e mulheres substituem o absorvente por toalhas de papel, panos, jornais e revistas.
O que diz o projeto de lei aprovado?
Na proposta aprovada pela Câmara e pelo Senado, os itens básicos de higiene deveriam ser distribuídos para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade. Seriam contempladas estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema; pessoas apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal e pessoas internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Dados
De acordo com o estudo Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, da Unicef, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.
Fonte: Estado de Minas