Lançado em novembro de 2013, o livro “Desvendando Minas – Descaminhos do projeto neoliberal”, 328 p., reúne 13 artigos, 12 dos quais dedicados a avaliar o desempenho da administração estadual tucana (2003 a 2013) em diversas áreas, dentre as quais saúde, educação, segurança pública e gestão da máquina. A permear os principais capítulos, destaca-se a crítica ao “choque de gestão”, elemento central da propaganda de governo da administração estadual.
Publicado pela Fundação Maurício Grabóis, vinculada ao PCdoB, o livro teve apoio do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro, Instituto Sérgio Miranda e Sinpro Minas. A obra foi organizada por Gilson Reis e Pedro Otoni.
Trata-se de iniciativa louvável, que abre o caminho para que os conteúdos sejam aprofundados em seminários e debates que certamente serão travados neste ano de disputa eleitoral. Temas relevantes, não tratados no livro, como saneamento, energia, cultura, política tributária, meio ambiente e assistência social justificam um segundo volume. Uma boa provocação para a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT. Leia baixo, uma resenha organizada por capítulos.
1 - No primeiro capítulo, o sociólogo Ronald Rocha, busca desmitificar a “eficiência” do choque de gestão ao aprofundar a crítica ao modelo gerencial, que no Brasil vinha sendo defendido desde a década de 90 pelo ex-ministro Bresser Pereira. Discorrendo sobre o papel do governo como facilitador do capital, o articulista denuncia o silêncio do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (2011-2030) sobre a estrutura monopolista-financeira da formação econômico-social mineira.
2 - A economia política do governo tucano em Minas Gerais foi abordada no livro pelo economista Cláudio Gontijo. Ele analisa o atraso do processo de industrialização acanhada de Minas até fins da década de 1970, ao contrário do que acontecia nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo e destaca o aparato institucional de apoio à indústria, montado a partir da Cemig e Bando de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) que vieram a constituir o Instituto de Desenvolvimento Industrial (Indi). Além de analisar a balança comercial do Estado, onde se destacam as exportações no setor mineral, Gontijo também analisa evolução da execução orçamentária no período e ainda a evolução da dívida pública mineira (tema de um livro do autor). Para ele, o choque de gestão não produziu equilíbrio orçamentário proposto, e ainda teve elevado custo social, como o arrocho imposto ao funcionalismo. Aponta o abandono, pela Cemig, do papel de fomento ao desenvolvimento, para se restringir ao compromisso com seus acionistas. Por fim mostra a evolução do gasto com publicidade (de R$ 67 milhões em 2003 para R$ 165 milhões em 2011) e termina com uma denúncia do “desperdício” de recursos públicos na construção da Cidade Administrativa.
3 - A dívida pública de Minas Gerais volta a ser o tema do capitulo seguinte, sob autoria de Maria Alvarenga, Maria Lucia Fatorelli e Ricardo Ávila, que a considera um instrumento para beneficiar rentistas nacionais e estrangeiros. Os autores alegam desconhecer a verdadeira origem. das dívidas refinanciadas em 1988, quando somavam quase R$ 15 bilhões de reais, sendo esses um dos motivos para defenderem uma auditoria completa. Outro questionamento é sobre a dívida de Minas com a Cemig, que possui 46,45% do total de ações nas mãos de estrangeiros. A dívida evoluiu de um valor de R$ 602 milhões em 1995 para mais de R$ 5,6 bilhões em 2011. Segundo os autores, o crescimento deveu-se à aplicação de taxas “mais elevadas que o tão questionado custo da dívida de Minas Gerais com a União”.
4 – Uma ruptura do conceito de desenvolvimento regional teria sido realizada pelos governos tucanos em Minas Gerais, a favor de uma adesão subordinada ao padrão de reprodução do capitalismo dependente em sua fase globalizada, dando início aos “descaminhos do desenvolvimento regional mineiro”, na visão do cientista político Pedro Otoni, do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro. Ele faz um apanhado teórico sobre os conceitos de elites, oligarquias e tecnocracias. Historicamente, situa o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, realizado em 1903 em Belo Horizonte, sob o patrocínio do governo do Estado, como o momento de articulação das elites, frente à decadência das oligarquias. As primeiras teriam seus ramos político e técnico. Analisa papel subalterno do capital nacional e regional frente ao capital estrangeiro (mineradoras e siderurgia principalmente). Também destaca o papel da Cemig, BDMG e Indi, como facilitadores do desenvolvimento do grande capital. Para o autor, a elite dependente, que logrou impulso num primeiro momento, viu seu modelo de desenvolvimento ruir a partir de 1978, trazendo conseqüência importantes para a dinâmica social economia e política, como a especialização da indústria mineira (predominando o setor siderúrgico), concentração fundiária, com extensa expansão da monocultura (padrão agrícola voltado para a exportação), concentração de renda, degradação de economia sub-regionais e a marginalização de grande parte da classe trabalhadora e ainda o endividamento público. A perda da capacidade de burguesia mineira disputar o controle da produção pesada (indústria da transformação), áreas intensivas de capital, por outro lado levou estes segmentos a se alojarem na estrutura do Estado, direta ou indiretamente. Essa elite política empresarial teria uma relação parasita com o Estado, tratado por elas como espaço para seus negócios. Interessante a base da intelectualidade apontada pelo autor ao longo das décadas. Se até 1930, era formada por técnicos agrícolas, iria se deslocar-se para os engenheiros (de 1930 a 1950), para engenheiros e economistas (de 1950 a 1985), e nos últimos 30 anos, para os administradores públicos.
5 – O projeto eleitoral em disputa, nos últimos 20 anos, é abordado pelo professor Gilson Reis. Segundo ele, Itamar Franco, ao entregar o governo a Fernando Henrique Cardoso, seu ministro da Economia, também entregava a certidão de óbito de um “inacabado projeto nacional de desenvolvimento”. Ele critica as privatizações dos governos FHC e Eduardo Azeredo e a resistência popular e de setores nacionalistas que teriam impedido a destruição completa das estruturas do Estado. Credita ao ex-vice-presidente José Alencar, a promoção de uma ruptura na elite mineira. Esse setor “desenvolvimentista” iria possibilitar, no plano nacional, uma hegemonia de centro-esquerda, com a vitória de Lula. A eleição, ao mesmo tempo, de Aécio em Minas, dava início a um novo ciclo de contradições estratégicas entre Minas e o Brasil, na análise do autor. Segundo ele, Aécio organizou seu governo já pensando num projeto nacional, atraindo partidos políticos, instituições públicas e privadas, Ministério Público Estadual, Poder Judiciário, imprensa, entidades empresariais, parte do movimento sindical, clubes de futebol, igrejas, além da maioria na Assembleia Legislativa. Reis nomeia e critica os três princípios básicos do choque de gestão: resultados (a partir de metas descoladas da realidade fática, segundo ele), a terceirização, que imputa a ineficiência da máquina a uma suposta ineficiência dos servidores e a gestão compartilhada entre o público e o privado, traduzido nas conhecidas parcerias público-privadas (PPP's),
6 – Mestre e Doutor em Direito, José Luis Quadros de Magalhães, recorre ao filósofo esloveno Salavoj Zizek, para discorrer sobre três de tipos de violência: a primeira, a violência subjetiva, que representa a decisão e a vontade de praticar um ato violento; a segunda, a violência objetiva, que é permanente, decorre das estruturas sociais e econômicas, e por último, a violência simbólica, também permanente, que se reproduz na linguagem, no urbanismo e em diversas formas de representação. Para concluir, José Luiz afirma que de nada adianta construirmos políticas públicas de combate à violência subjetiva sem mudar as estruturas socioeconômicas de desigualdades ou o universo de significações e representações que reproduzem a desigualdade. Um dos canais de exercício dessa violência simbólica é a escola, vista pelo autor, como aparelho ideológico, que reproduz os valores dos dominantes. Ao abordar os índices de criminalidade, Jose Luiz, constata que o encarceramento de pessoas foi transformado em um bom negócio, do qual o sistema de PPPs seria uma expressão. Ao discorrer sobre as leis delegadas (normas primárias elaboradas pelo chefe do Executivo, mediante autorização do Poder Legislativo), ele aponta como o discurso da técnica encobre a política autoritária. Segundo ele, não teria nenhum problema em adotar o mecanismo, das leis delegadas, se tivéssemos uma democracia real, onde as decisões de governo representassem a vontade popular, construída de forma livre e dialógica em contextos de negociação de qualquer forma de exclusão e construção coletiva das decisões. Por tudo analisado no livro até este capítulo, não é essa a realidade de Minas Gerais.
7 – O direito à saúde como conquista da sociedade brasileira, consagrado pela Constituição Federal, se viabilizou na década de 1980, por meio da articulação dos movimentos sociais em torno da Reforma Sanitária Brasileira. A partir desse marco, Gilberto Antonio Reis, medido sanitarista e professor, desenvolve seu artigo sobre o papel do gestor estadual do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele lembra que a Emenda Constitucional 29 definiu o percentual de 12% para investimento do Estado na área. A determinação foi regulamentada pela Resolução 332 de maio de 2003, onde foi estabelecido o que deveria ser excluído do conceito de serviços de saúde, como gastos com pessoal inativo, serviços suplementares do SUS, serviços de dívidas, ações de preservação e correção do meio ambiente, ações de saneamento básico, dentre outros. Contrariamente à Resolução, o governo estadual incluiu na conta da saúde, despesas para cobrir gastos com o Ipsemg e com o IPSM, além do lançamento irregular de R$ 3,5 bilhões que teriam sido destinados à Copasa. Em quadro comparativo, ele observa que os gastos com terceirizados (20,89%) foram superiores com a da remuneração dos servidores públicos da área (16,35%). Ele também crítica a forma de repasse de recursos do governo estadual para municípios, via convênios, transformando uma relação que deveria ser republicana, em moeda de troca política. O desmantelamento do Conselho Estadual de Saúde é apontado pelo autor como uma das barreiras para o efetivo controle social do SUS em Minas.
8 – A opção de uma gestão pública pautada em princípios empresariais, acabou por afastar o princípios democráticos de gestão e da expansão do acesso à educação de qualidade em Minas, na visão da socióloga Clarice Barreto Linhares e do pedagogo Adelson França Junior. Segundo levantamentos usados no artigo, Minas caiu do 1° para o 4° lugar no ranking nacional do ensino médio. Agravando este quadro, demonstra-se que menos da metade dos jovens entre 15 a 17 anos de idade chegam ao ensino médio mineiro na idade apropriada. Os autores criticam a política de focalização adotada pelo governo estadual, que, contrariando o princípio da universalização, priorizou escolas de regiões vulneráveis e a implantação de escolas modelo, aprofundando, segundo eles, as desigualdades regionais, com a criação de ilhas de excelência, em detrimento da maioria. A desvalorização dos trabalhadores em educação, a falta de diálogo por parte dos gestores e a centralização e o monopólio do Conselho Estadual de Educação, onde a maioria dos membros representariam interesses do setor privado da educação, também são apontados como graves entraves à evolução da educação pública no Estado. A transparência na aplicação dos recursos do Fundeb está entre as 20 propostas apresentadas ao final do artigo.
9 – Prender os pobres em Minas Gerais virou um grande negócio segundo o mestre e doutor em Direito, Virgílio de Mattos. O encarceramento total, na avaliação do autor, teria sido a única política pública que cresceu verdadeiramente nos últimos 30 anos. Hoje no Brasil, há mais de meio milhão de encarcerados, sendo pouco mais de 40 mil em Minas. O número de policiais civis em atividade nos estabelecimentos penitenciários do Estado é baixo (140), sendo prevalente o empregado do policial militar (3.236), muitas vezes encarregado da própria gestão da unidade. Ele critica a propaganda intensa que o governo faz para criar um ar de tranquilidade, enquanto cresce os índices de criminalidade. Ele também critica o direito penal atuarial, cuja resposta aos problemas “está impregnada do discurso das soluções de mercado, cumprimento de metas, etc; abrindo espaço para o negócio de comunidades terapêuticas, hospitais psiquiátricos e PPPs".
10 – A concentração fundiária e a política para a reforma agrária, ou a falta dela, são abordadas por Vanderlei Martini, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e graduando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Minas possui 415 mil famílias sem-terra, sendo que 12 mil estão acampadas em aproximadamente 100 pontos. Da meta de assentamento de 5.680 famílias estabelecida pelo governo federal, a superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) só conseguiu cumprir 23%. Nenhuma família foi assentada pelo governo do Estado nos últimos 10 anos. Em relação à assistência técnica, ele sustenta que a Emater atende aos interesses das grandes empresas do agronegócio. Segundo o último censo do IBGE, citado pelo autor, o Estado possuía 51,8% do total de área plantada, aproximadamente 1,5 milhões de hectares de eucalipto, boa parte em terras devolutas cedidas pelo Estado a empresas particulares com contratos de até 20 anos vencidos ou a vencer, especialmente no Norte de Minas. Há também extensas faixas de terras devolutas regularizadas pelo Estado em nome de empresas no Vale do Aço. Ele conclui que não há falta de terra para realizar a reforma agrária, “pois existe em Minas 18 milhões de hectares de terra no Estado, sem registro”, que estão nas mãos de empresas eucaliptadoras, mineradoras e latifundiários e que precisam ser discriminadas e arrecadadas pelo Estado. Mesmo com a ausência de uma política estadual de reforma agrária, ele reconhece o programa de regularização fundiária, que atendeu a demandas de titulação de propriedades de posseiros. Como desafios, o autor cita a estruturação produtiva dos assentamentos e reassentamento das populações atingidas pelos grandes projetos (hidrelétricas por exemplo), com estratégias de segurança alimentar e hídrica.
11 – A atuação dos Tribunais de Contas, em especial do TCE-MG, no controle externo, foi tratada no livro pelo economista José Tanajura Tavares. Ele analisa a postura de hesitação e complacência dos Tribunais, que resultam em frustração para a população, como ocorreu com o não cumprimento da Emenda 29 (que trata sobre recursos para o SUS) pelo governo mineiro. O Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) celebrado pelo governo do Estado com o Ministério Público, com permissão formal da Assembleia Legislativa, desobriga o Estado de cumprir o mínimo constitucional de 12% na saúde e de 15% na educação. Segundo o autor, a estratégia do governo de Minas foi de preservar seus objetivos neoliberais, utilizando-se de artifícios para afastar a restrição das normas e se transparecer ajustado aos princípios constitucionais, ou seja, formalizado. Esse tipo de posicionamento do TCE, o faz compor um aparelho ideologicamente comprometido, em oposição à premissa de dispositivo especial no arcabouço estatal para controle externo.
12 – A construção da imagem de Aécio Neves como presidenciável, no cenário eleitoral de 2010, pelo jornal Estado de Minas, foi analisado pela jornalista e doutoranda em Ciência Política, Érica Anita Baptista. Ela comparou os conteúdos publicados pelos jornais Folha de S. Paulo e Estado de Minas, entre 27 de fevereiro a 5 de março, período em que foi divulgado o resultado de pesquisa eleitoral que apontava queda do candidato José Serra, e da inauguração da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte. Usando-se de conceitos subliminares como mineiridade e habilidade política, (associado ao avô Tancredo) o jornal mineiro construiu uma imagem de uma Minas (um candidato) que não se curva, que não aceita ir a reboque (candidatar-se a vice de Serra, por exemplo). A troca de títulos e a edição de imagens, entre o primeiro e segundo clichês de uma mesma edição também foram elementos de apoio a essa estratégia de construção da imagem do presidenciável, segundo a autora. Ela conclui que o jornal mineiro apresentou-se como porta-voz dos mineiros, realizando um entrelaçamento entre os campos midiáticos e políticos.
13 – No último capítulo do livro, escrito pelo doutor em Ciências Sociais Fabrício Maciel, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), faz-se um debate sobre a classe média no Brasil. Segundo ele, a renda é um dos critérios menos importantes na definição de uma classe social e, por isso, seria complicado falar em uma nova classe média. Pesquisa citada no artigo, refere-se aos membros dessa “nova classe” como “batalhadores” que cumprem jornada média de 14 horas/dia, sem vínculo formal de emprego. O autor faz uma abordagem da institucionalização da precariedade e do individualismo nas relações de trabalho e sociais. Para ele, citando o sociólogo francês Pierre Bourdieu, “as classes dominantes, os ricos, são portadores principalmente do capital econômico, o que significa patrimônio acumulado por famílias e herança, bem como investimentos. As classes médias possuem principalmente capital cultural, estabelecidas principalmente nas profissões liberais.” Traços comuns, que assemelham as pessoas simbolicamente e as aproximam na prática, devem ser considerados na análise. Ao final, Fabrício Maciel faz uma crítica à sociologia do trabalho e da classe no Brasil, que, segundo ele, se resume a adaptar velhas teses de Marx à nova realidade.