Em recente viagem aos Estados Unidos, quando participou da Brazil Conference at Harvard & MIT, realizada em Boston, no início de abril, o governador de Minas, Romeu Zema, reafirmou sua intenção de privatizar a Cemig, a estatal de energia elétrica de Minas Gerais.
A determinação não é nova – trata-se de uma bandeira de Zema lançada ainda na campanha eleitoral. A novidade fica por conta do prazo anunciado por ele nos EUA: vender a estatal ainda neste ano.
Confira alguns aspectos importantes para você entender melhor essa história:
Zema tem pressa – Desde sua posse, Zema tem batido na tecla de que a única opção viável para sanear as contas do estado é o enquadramento de Minas no chamado Regime de Renegociação Fiscal (RRF) do governo federal. O programa prevê a suspensão de amortização de parcelas da dívida do estado com a União por certo período para que o estado ganhe “fôlego” financeiro. Por isso, ele tem pressa em garantir a inclusão. Mas essa opção exige diversas contrapartidas, muitas delas amargas para os mineiros.
Cemig vira moeda de troca – Uma dessas contrapartidas do estado será a intensificação do programa de privatizações. E a Cemig entra, portanto, como uma bela moeda de troca nesse processo, por ser uma empresa de grande valor de mercado e de eficiência comprovada.
Patrimônio de grande valor – A estatal vale hoje cerca de R$ 22 bilhões, e o estado detém cerca de 17% das ações da empresa. A venda iria render, portanto, algo em torno de R$ 3,8 bilhões para os cofres de Minas, o que não é pouco dinheiro. O suficiente para ajudar o estado a recompor seu caixa.
Preço justifica a venda? – Para muitos especialistas, no entanto, esse valor a ser angariado com a venda não justificaria – ou não compensaria – as perdas que a privatização irá representar para o estado e para a população de Minas. O valor equivale, por exemplo, a pouco mais de um mês da folha de pagamento dos servidores estaduais.
Componente econômico – Nesse contexto, é preciso destacar o componente econômico (e também ideológico) em discussão: a antiga reflexão sobre o papel do Estado na economia. O mundo contemporâneo se divide hoje entre os que vêm como essencial esse papel, ou seja, os que defendem o Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) e os adeptos do liberalismo econômico.
Estado do Bem-Estar Social – Nessa vertente de pensamento, a presença do Estado é vista como essencial para garantir as condições mínimas de qualidade de vida para as parcelas mais carentes da sociedade e para a coletividade em geral. Segundo ela, o Estado não pode deixar de oferecer os serviços essenciais, como educação, saúde, segurança e acesso à cultura, por exemplo. De acordo com essa corrente, é papel preponderante do Estado garantir tudo isso às mais amplas parcelas da sociedade, sem visar lucro. E empresas de setores estratégicos, como as de energia, água e saneamento, devem ficar nas mãos do Estado para garantir a oferta desses serviços essenciais para todos e com preços acessíveis. Assim foi, por exemplo, em linhas gerais, nos governos de Lula e Dilma.
Liberalismo econômico – Já os liberais defendem o Estado mínimo. O governo deve cuidar da segurança e da infraestrutura de transporte, por exemplo, oferecendo as condições básicas para o investimento privado gerar a produção. Por isso, os programas de privatizações e concessões são essenciais, para que a iniciativa privada, que visa ao lucro, comande a economia. O governo de Fernando Henrique Cardoso ficou marcado, por exemplo, pelas privatizações. Os governos Zema e Bolsonaro já representam as porções mais radicais dessa opção pelo liberalismo. Historicamente, o economista (e agora poderoso ministro) Paulo Guedes é um ícone da vertente liberal.
O porquê da opção de Zema – Com tudo isso posto na mesa, fica claro o porquê da decisão de Zema de vender a estatal.
Detalhe curioso – Vale registrar um detalhe, pelo menos curioso, nessa queda de braço sobre a maior ou menor presença do Estado na economia: a mesa da qual Zema participou na Brazil Conference, em Boston, teve como tema “Resultados: Construindo em estado eficiente”. A grande pergunta de fundo é: eficiente para quem? Para os mercados ou para as pessoas, especialmente os mais pobres?
Dificuldades pela frente – Contudo, Zema não terá como realizar, com facilidade, seus planos de venda da estatal tão rapidamente como parece querer. Isso porque o projeto de privatização, uma vez enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), terá de ser aprovado por três quintos dos deputados. Hoje, essa possibilidade é relativamente remota, diante da escassa base parlamentar de Zema e do seu partido (Novo) na Casa. Caso o projeto de lei seja aprovado, haverá ainda outro grande entrave pela frente: a proposta de privatização da estatal terá de ser aprovada, como determinada a Constituição mineira, por um referendo popular.
Para terminar – Sempre que o governador fala em privatização da Cemig, as ações da estatal sobem na Bolsa de Valores (B3). A explicação é simples: o desejo de Zema soa como música aos ouvidos do “mercado”, que tem sede de privatização. Para outros segmentos da sociedade, que viram a Cemig ser consolidada ao longo de décadas como um grande patrimônio dos mineiros, a intenção de Zema pode não ser tão bem vista assim.
Por João Carlos Firpe Penna, jornalista, no site Interesse de Minas