Numa política de extermínio inegavelmente sabida antes das eleições, todos, num primeiro momento, parecem se comover com a tragédia noticiada. Segundos depois, como numa mudança de canal motivada pelo enfadonho, retornam ao seu estado “normótico”, quase que como robôs, ocupando vagões do metrô, filas de banco e relações vazias, num conformismo generalizado e infindável, que confere aquela velha sensação de segurança à normalidade do dia.
Se existe o excesso de brutalidade no Governador eleito (RJ), assim como em quem, por meio do voto, legitimou a carnificina, tal qual urubus em carne podre, há também um total abandono de causa. Estamos diante de um esquivar-se da luta, uma aceitação escatológica da bestialidade, no qual nem mesmo o termo selvageria pode ser aplicado, uma vez que há razões justificáveis para as ações dos bichos.
Há, notadamente, um abandono de esperanças.
Voltamos, inacreditavelmente, a discussões primárias sobre o valor de uma vida humana, como se ainda este valor devesse ser revisto. E o que deveria ser imperativo é violado dia após dia, por estratégias de guerra cada vez menos estratégicas, em campos cada vez mais civis, numa lógica inversa, em que o minimamente aceitável não existe.
E as questões que realmente deveriam ser revistas parecem vagar sem destino. Vale mesmo continuar a disparar em locais públicos, como praças e escolas, num jogo eterno de gato e rato? Ou melhor, abandonar a caça, abrindo espaço à criminalização? Seria razoável recorrer às Forças Armadas para fechar fronteiras, impedindo a entrada de armas, munições e drogas, para que a Polícia, numa ação arquitetada pela inteligência, possa fazer o seu trabalho corretamente?
Estamos diante da aceitação de um protagonismo arbitrário, sanguinolento, irracional e miserável, sem qualquer oposição minimamente massificada. Pois até mesmo o inconformismo, quando se apresenta, não gera qualquer ação. É inoperante. A ineficácia de mensagens expostas em rede beira à ingenuidade. E o único movimento ao qual esse inconformismo se atreve é aquele que o leva para longe da luta. São brasileiros, cujos votos equivocados não colocam suas vidas em risco, que se despedem do desespero instalado forjando lares em outro continente ou buscando isolamento em suas casas de campo ou veraneio.
E, assim, na inércia do cotidiano, o conformismo mata o homem em vida sem sequer ele sentir, enquanto o minimamente lúcido escapa como água pelo esgoto. O vivo, morto que está, e o suicida pela fuga, também são parte do absurdo: mortos irracionais e querentes de sangue procurando vidas para sobreviver, num triller de péssimo gosto, estarrecedor e não fictício.
Por Carolina Lana e Rodrigo Fontes