A crise econômica e administrativa de Minas Gerais tem raízes históricas complexas, resultado tanto de decisões político-administrativas do atual e dos antigos governos estaduais como também de um processo de obstrução do desenvolvimento promovido pela União. Desde os anos 90, imposições do governo federal têm feito nosso Estado refém de medidas como a Lei Kandir, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a dívida pública estadual. Elas retiram a capacidade do Estado de efetivar sua política econômica regional e organizar a máquina administrativa de maneira a garantir emprego, salário e acesso aos serviços públicos em escala suficiente para a promoção do bem-estar da população mineira.
Apesar de ser um instrumento de planejamento dos gastos públicos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe limites irresponsáveis para a manutenção de serviços essenciais, como saúde e educação. Já a dívida pública estadual é impagável e legalmente questionável, drenando recursos de Minas para a União seguir pagando juros os banqueiros.
A Lei Kandir, por sua vez, isenta de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, como minério, café, soja e outros, impedindo que o Estado recolha impostos provenientes de atividades econômicas estratégicas. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, nos últimos 20 anos de vigência da Lei Kandir, Minas Gerais deixou de arrecadar R$ 135 bilhões de ICMS. Para se ter uma ideia do impacto dessas perdas, a dívida pública de Minas com a União já soma R$ 82,7 bilhões. Mensalmente, o Estado desembolsa R$ 520 milhões para seu pagamento, e ela continua crescendo.
O governo Temer propôs o Regime de Recuperação Fiscal, que ofereceria uma pequena e momentânea ajuda financeira em troca da grande e permanente dilapidação do patrimônio público por meio da privatização das estatais mineiras e do arrocho salarial do funcionalismo, entre outras medidas. A proposta foi rejeitada, mas foi reeditada no governo Bolsonaro com condições ainda mais prejudiciais ao povo mineiro. Num relatório recente, a Secretaria do Tesouro Nacional indicou que, para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, seria necessário privatizar a Cemig, a Copasa e a Codemig, assim como vender ativos estaduais, congelar salários, impedir novas contratações de funcionários, ampliar a contribuição dos servidores para a Previdência, dentre outras ações desastrosas. Em resumo, propõe vender o patrimônio público e reduzir direitos dos servidores em troca da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
Zema defende essa proposta imediatista, com repercussões nefastas no médio e longo prazos. Em entrevistas, assinala que não há alternativa senão aceitar os termos do Regime de Recuperação Fiscal, o que não é real. O caminho existe, mas o governo não deseja enfrentá-lo, por falta de responsabilidade pública, de projeto de Estado ou de senso prático.
Nenhuma medida prevista na proposta altera os mecanismos que levam Minas à atual situação. Para uma verdadeira recuperação, é necessário enfrentar a origem da crise estadual, como o resgate das perdas geradas pela Lei Kandir, cuja recomposição poderia recuperar cerca de R$ 200 bilhões. A auditoria e a revisão dos contratos da dívida estadual com a União seriam outro passo importantíssimo. Isso é o mínimo para começarmos a pensar em recuperação real e sustentável do Estado. Do contrário, teremos apenas uma tentativa de maquiar uma fratura exposta.
O povo mineiro tem força e potência para assumir a defesa de seus interesses. O caminho começa por não aceitar imposições disfarçadas de alternativa única. Vender nosso patrimônio para receber alguns trocados do governo federal não é razoável; é preciso compreender quais alternativas fortalecem uma política de desenvolvimento, garantindo a dignidade e o bem viver às mineiras e aos mineiros.
Por Andréia de Jesus, deputada estadual (PSOL) e advogada popular, em 11/07/2019, no Jornal O Tempo