Andrade tinha área da propina



Andrade tinha área da propina

Executivos revelaram à força-tarefa que setor contava dinheiro em espécie vindo de doleiro

Ex-executivos da empreiteira Andrade Gutierrez relataram, em delação premiada à força-tarefa da operação Lava Jato, que a empresa mantinha uma espécie de “tesouraria interna” dedicada a pagamentos de propina e caixa dois para agentes públicos e políticos.

A reportagem da “Folha de S.Paulo” apurou que funcionários da empresa apontaram a existência do esquema à força-tarefa do Rio de Janeiro e também de Curitiba em depoimentos recentes. Segundo um ex-executivo do grupo mineiro que passou a colaborar com a Justiça, a “tesouraria” contava com dinheiro em espécie que era operado pelo doleiro Adir Assad, preso desde agosto do ano passado. A maior parte do dinheiro foi gerada, segundo os relatos às autoridades, por meio de contratos fictícios estabelecidos entre a Andrade Gutierrez e empresas de fachada de Assad.Não é a primeira vez que uma empreiteira investigada na operação Lava Jato revela ter um esquema profissional de pagamento de propina e caixa 2 dentro da empresa.

O setor de operações estruturadas da Odebrecht, área dedicada ao pagamento de recursos ilícitos do grupo baiano, foi descoberto por investigadores e, posteriormente, seu funcionamento foi detalhado na delação premiada assinada pela empresa em dezembro do ano passado. A Odebrecht pagou R$ 2,6 bilhões em suborno no Brasil e em 12 países. A empreiteira teve o acordo de delação homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 30.

Um funcionário da Andrade, segundo os depoimentos, era o responsável por cuidar da área específica da propina. No relato aos procuradores, um dos ex-executivos do grupo disse que os diretores da empresa mineira negociavam a propina só depois de entrar em contato com a tesouraria para solicitar o dinheiro ilícito que seria repassado para agentes públicos. Investigações do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro mostraram que empresas usaram recibos falsos para abastecer o caixa 2 da Andrade Gutierrez com mais de R$ 176 milhões. Segundo envolvidos nas investigações, ao menos esse montante circulou em dinheiro vivo na tesouraria interna.

Entre as obras que receberam pagamento de propina do departamento estão o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a Ferrovia Norte-Sul e estádios da Copa do Mundo, temas já delatados por executivos e ex-executivos da empresa mineira, em acordo fechado em 2015. A reportagem da “Folha” apurou também que funcionários da Andrade vão relatar em uma espécie de segunda chamada da delação premiada, chamada pelos procuradores de recall, que esse mesmo caixa foi usado para pagar propina em obras do Estado de São Paulo, como o Rodoanel e linhas do Metrô.
Mesadas Cabral. O ex-governador Sérgio Cabral estaria interessado em um acordo de delação para ter uma pena menor. Ele teria recebido mesadas de até R$ 850 mil da Andrade e da Carioca Engenharia.

TESTEMUNHA

A ex-presidente Dilma Rousseff deve prestar depoimento no dia 24 de março na ação penal que investiga o ex-ministro Antonio Palocci, o empreiteiro Marcelo Odebrecht e mais 13 pessoas. A petista foi arrolada como testemunha de defesa de Marcelo Odebrecht. O depoimento será às 14h por videoconferência. A data foi marcada pelo juiz Sergio Moro. Dilma já havia sido indicada por Marcelo como testemunha em outro processo da Lava Jato, que investigava o setor de operações Estruturadas da empreiteira. Mas, à época, Dilma estava afastada do cargo por causa do processo de impeachment e afirmou que prestaria depoimento por escrito, já que a lei permite essa possibilidade para autoridades. Entretanto, a defesa de Odebrecht desistiu do depoimento de Dilma, e o juiz aceitou o cancelamento.

Também foram indicados por Marcelo Odebrecht como testemunha de defesa o empreiteiro Emílio Odebrecht, os ex-ministros Guido Mantega e Jaques Wagner e a ex-presidente da Petrobras Graça Foster. Deputados e senadores aparecem na lista de testemunhas de defesa de réus como Marcelo Odebrecht, Palocci e o assessor dele, Branislav Kontic. Moro mandou comunicar os parlamentares e ofereceu três datas para os depoimentos: 21, 22 ou 29 de março. Os interrogatórios serão por videoconferência com Brasília.

RECALL: Delações provocam efeito cascata
Depoimentos prestados por delatores da Odebrecht arrastaram para o centro da Lava Jato sócios de empresas concorrentes, ampliando o interesse dos investigadores sobre a cúpula dessas companhias. Com a delação da Odebrecht, a Andrade Gutierrez, que firmou acordo de leniência em 2016 e de delação premiada em 2015, foi convocada a fazer a complementação de seus depoimentos sobre fatos que ainda não havia narrados anteriormente.

Entre eles estão obras do Estado de São Paulo, a Cidade Administrativa, sede do governo de Minas na gestão do atual senador Aécio Neves (PSDB-MG), projetos do setor elétrico, entre outros empreendimentos.m Segundo integrantes da Procuradoria Geral da República (PGR) e da força-tarefa da Lava Jato, ainda não foi definido se a multa de R$ 1 bilhão cobrada da empresa será aumentada após o recall. No último dia 30, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou as delações de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

O QUE DIZEM OS CITADOS
Procurada pela reportagem da “Folha de S.Paulo”, que trouxe a denúncia nesse domingo (5), a Andrade Gutierrez disse, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar sobre a delação de ex-executivos que relataram a existência de uma “tesouraria interna” na empresa. Doleiro. O advogado do doleiro Adir Assad, Miguel Pereira Neto, disse que a informação de que seu cliente abastecia o caixa 2 da Andrade Gutierrez “já foi exposta na ação penal, inexistindo fato novo”. O criminalista afirmou ainda que “o processo está em andamento e as questões serão dirimidas durante a instrução”.

Contratos fictícios. O nome de Assad também aparece nas investigações da operação Calicute, que resultou na prisão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ). De acordo com os investigadores, a suposta propina paga por empreiteiras no Estado era repassada de diferentes formas. Parte vinha de contratos fictícios de consultoria de Assad.

Jornal O Tempo

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