Andrade Gutierrez vendeu dívida suspeita antes mesmo de decisão da Justiça



Andrade Gutierrez vendeu dívida suspeita antes mesmo de decisão da Justiça

A Andrade Gutierrez não aprontou só na Cemig, mas também em Betim. Na estatal, a AG obteve dos tucanos e ex-governadores de Minas, Aécio Neves e Antônio Anastasia, um acordo muito generoso que garantiu a essa empreiteira muito dinheiro e total poder de decisão no Conselho de Administração. Depois que a Andrade passou a ser investigada pela Polícia Federal pelas "negociatas" envolvendo tucanos e Cemig, vendeu suas ações na estatal, mas, antes, fez novas manobras que lhe favoreceram de forma muito generosa.

Confira abaixo a matéria do jornal O Tempo sobre a manobra da Andrade em Betim, que no final cita o seu negócio suspeiro com a Cemig. Cita genericamente, mas nós, logo após a matéria do jornal, publicamos um histórico mais completo sobre a relação da AG com a Cemig.

Confira tudo:

Andrade Gutierrez vendeu dívida suspeita antes mesmo de decisão da Justiça

Fundo Masone, que comprou os precatórios de Betim, tem 66% do capital atrelado à empreiteira; para procuradoria, negociação dificulta ressarcimento para a cidade de Betim
25/10/20

O fundo Masone, antes mesmo de saber qual seria o resultado do julgamento da ação popular que suspendia o pagamento de uma dívida considerada fraudulenta pela Prefeitura de Betim, comprou da empreiteira Andrade Gutierrez (AG) os precatórios que ela cobra de Betim, no valor de cerca de R$ 480 milhões.

Além dos indícios de fraude, a suposta dívida foi constituída por um documento reconhecido como falso por perícia grafotécnica, declarado inepto pela perícia do Tribunal de Contas da União (TCU), que atestou inexistência do objeto (obras), e ainda considerado injustificado pelo MPMG, que constatou em perícia que a fotocópia do documento que originou a cobrança não se encontra autenticada pelo tabelionato, que inclusive não reconhece seu carimbo e atesta que ele não tem qualquer assinatura.

Mesmo assim, o fundo Masone adquiriu os precatórios, por valor ainda desconhecido. O procedimento inadequado e ilegal, segundo a Procuradoria Municipal de Betim, aumenta as preocupações sobre as verdadeiras intenções da construtora. Em razão disso, a negociação será denunciada nas próximas horas à Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e à Policia Federal, já que há um pedido de bloqueio de R$ 131 milhões nas contas de Betim.

No dia 2 de outubro deste ano, ou seja, quatro dias antes do julgamento que liberou a cobrança da dívida pela empreiteira, por três votos a zero no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Masone, constituído em sua maioria (66%) por outras operações de compra de precatórios da própria AG, adquiriu os precatórios da construtora. 

Irregularidades

A operação chama a atenção porque esse tipo de negociação, apesar de ser legal, é permitida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, cuja finalidade é disciplinar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários apenas quando os precatórios estão totalmente desembaraçados e desimpedidos. Esse não é o caso dos precatórios de Betim, que, em 2 de outubro, encontravam-se judicialmente bloqueados.

Origem

O pagamento da dívida da AG, que vem se arrastando desde o início dos anos 1980, estava suspenso por uma liminar que já durava quase um ano antes que a 2ª Câmara do TJMG decidisse, em 6 de outubro deste ano, por revogar a liminar. Existem outras ações ainda em trâmite e de ordem criminal, baseada em laudos que atestam falsidade de assinaturas, ausência do original, não autenticação da cópia e outros motivos relevantes que concluem a ausência de comprovação de obras pertinentes aos precatórios.

“Costumo atender esse tipo de lide, tenho muita experiência com precatórios. Uma negociação dessa só seria possível se tivesse tudo livre e desembaraçado, mas não é o caso desse precatório. Nenhum fundo se arriscaria tanto na compra de um precatório que, no momento da negociação, estava suspenso e ainda enfrenta demandas de anulação por fraude já atestada por órgãos de inquestionável legitimidade como TCU e MP”, explicou Joab Costa, que é advogado na ação popular.

O procurador geral do município de Betim, Bruno Cypriano, complementa a informação do advogado. “Esse fundo, criado para a compra de precatórios, tem direitos creditórios, ou seja, valor de crédito de mercado de R$ 398,3 milhões, mas comprou os precatórios de Betim em sua totalidade no valor global de R$ 480 milhões. Cabe ressaltar ainda que o fundo Masone é constituído por 66,17% de precatórios criados pela própria Andrade Gutierrez. Um deles é relativo a uma dívida semelhante à de Betim, que a empreiteira cobrou do governo do Estado do Amazonas”, explica o procurador. Questionada por e-mail, a AG não se manifestou.

Fundo pertence a banco denunciado

O fundo Masone faz parte de um condomínio fechado para negociação de precatórios e está aberto para qualquer um participar. Ele pertence ao Banco Modal, que, entre outras irregularidades, é citado na Lava Jato na fase Omertà, realizada pela Polícia Federal e que, em italiano, quer dizer “Código de Silêncio das Máfias”.

A PF investigou fraudes no sistema financeiro e pagamento de propina a políticos e empresários, e o Modal foi citado em diversas ocasiões. Juntamente com o Banco Santos e o BVA, ele teria pagado ao ex-ministro Antonio Palocci, juntamente com outros 47 clientes, o valor de R$ 81,3 milhões em consultorias. 

O Modal também é citado em outro escândalo famoso: o do homem da mala de dinheiro para Michel Temer. Edgar Rafael Safdié, tido como intermediário na entrega do dinheiro feito ao assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures, é um empresário do setor financeiro, dono da empresa Safdié Private Banking, que foi vendida justamente para o Modal. 

O banco, de origem carioca, também é citado na Operação Tango, de 2005, que prendeu uma quadrilha responsável por crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Nesse esquema, foi indiciado o banqueiro Edemar Cid Ferreira, que era dono do Banco dos Santos, além de pessoas ligadas ao Modal e ao BVA. A quadrilha agia criando créditos “frios”, incluindo precatórios falsos para lavagem de dinheiro que eram oferecidos a empresas com dificuldades financeiras. 

Em 2011, outro flagrante de irregularidades acometeu o Banco Modal. Uma série de escândalos de supostos precatórios falsos impediu as negociações para que a Plural Capital, outra empresa do mercado de precatórios, comprasse a instituição carioca. Nos desentendimentos está uma multa de R$ 300 milhões da Receita Federal. 

Para completar o círculo de relações obscuras, o fundo Masone é gerido pela Quadra Gestão de Recursos Financeiros, empresa que “emprestou” cerca de R$ 350 milhões para a Renova, companhia de energia renovável, que está em recuperação de um rombo de R$ 3 bilhões, decorrente de operações na época que AG mantinha controle de cadeiras no Conselho da Cemig, acionista da Renova.

Fonte: O Tempo

O NOSSO HISTÓRICO:

Em 2009, a Cemig comprou a participação da Andrade Gutierrez na Light por R$ 785 milhões, à vista. Em troca, a Andrade Gutierrez pagou R$ 500 milhões a título de primeira parcela na compra de 33% das ações ordinárias da estatal. O restante, de R$ 1,6 bilhão, a empreiteira acertou pagar em 10 anos com a emissão de debêntures a serem adquiridos pelo BNDES, a juros e taxas facilitadas. E de 2010 a 2013, a Andrade recebeu mais de R$ 1,7 bilhão em dividendos da Cemig.

No Acordo com a Andrade Gutierrez outra generosidade escandalosa: a empreiteira obteve todo o poder para tomar decisões na Cemig; ganhou a Diretoria de Desenvolvimento de Negócios e Controle Empresarial das Controladas e Coligadas e definia os investimentos da Cemig nas construções que, inclusive, a Andrade tinha toda a capacidade de assumir as obras.

A permanência da Andrade Gutierrez na Cemig resultou em péssimos negócios para a empresa. A empreiteira promoveu mais sucateamento na estatal e tomou decisões que chamaram a atenção das operações de investigação de corrupção pela Polícia Federal.  A AG é conhecida por sua relação com o o PSDB, em especial com Aécio Neves. Em 2014, a operação de investigação interceptou pelo WhatsApp mensagens trocadas entre executivos da Andrade Gutierrez mostrando que eles faziam torcida pela vitória de Aécio Neves na eleição presidencial de 2014. A Andrade foi a maior doadora de recursos da campanha de  Aécio, conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O desastre de Santo Antônio

O investimento que mais chamou a atenção e levou a grandes prejuízos para a Cemig foi a compra de participação na usina de Santo Antônio. Em consórcio com a Andrade Gutierrez e outros sócios, a Cemig adquiriu 10% da usina, por R$ 610 milhões. Santo Antônio só dava prejuízos e, numa operação com dedo da empreiteira, altamente perniciosa e que as empresas fugiriam de qualquer negociação, a Cemig salvou a AG ao adquirir 83% da participação da Andrade no consórcio em Santo Antônio.  Mas não ficou por aí. O Conselho de Administração de Santo Antônio aumentou o capital da usina e a Cemig precisou desembolsar mais dinheiro. No total, torrou R$ 3,617 bilhões de seu patrimônio para pagar o aumento de capital.

E depois de usar bastante a Cemig para obter mais lucros e envolver a empresa em negociatas altamente perniciosas, além de ser investigada pela Polícia Federal, a Andrade Gutierrez desfez o acordo  com a estatal, em 2017, e num momento que o lucro da estatal sofria queda. A empreiteira vendeu sua participação ao mercado.

 

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