No país, 75% das vítimas de homicídio são negras, revela dados de pesquisa
Um vídeo em que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) comemora, com socos no ar e punhos cerrados, o desfecho da operação policial que resultou na morte de um homem que sequestrou um ônibus e fez os passageiros de reféns, na ponte Rio Niteroi, na última terça-feira (20), viralizou na internet e foi manchete de jornais e revistas no Brasil e em vários países.
Segundo a Polícia Militar, o responsável pelo crime foi morto ao ser atingido por disparos de um atirador de elite. Em entrevista, Witzel parabenizou a atuação exemplar da PM e determinou a promoção dos atiradores por bravura.
E não é a primeira vez que Witzel protagoniza cenas absurdas e constrangedoras, que demonstram o desrespeito aos direitos humanos e às comunidades carentes. No dia 4 de maio, o governador publicou um vídeo nas redes sociais a bordo de um helicóptero da Polícia Civil. Ao estilo de repórter de polícia, Witzel narrava a cena das armas apontadas para as comunidades carentes. Há relatos de que houve disparos contra as moradias.
O fato gerou revolta internacional. A organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com a Organização dos Estados Americanos, enviaram comunicado no dia 20 de junho ao governador questionando o uso abusivo da força contra as comunidades carentes do Rio de Janeiro.
Vale lembrar que Policia Militar do Rio de Janeiro, comandada por Witzel é a que mais mata no Brasil. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), 194 pessoas morreram por intervenções policiais, média de seis assassinatos por dia, a maioria das vítimas eram de pobres e negros.
Não se trata de defender a ação criminosa da vítima, mas a atitude do governador de comemorar a morte de alguém como se fosse a vitória da Seleção Brasileira de futebol em partida final da Copa do Mundo.
A violência direcionada a pobres e negros ressalta as diferenças socioeconômicas e raciais existentes, é o que mostra o Atlas da Violência no Brasil, publicado em maio. O Atlas é um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança. O estudo constata que 75% das vítimas de homicídio no País são negras. Os registros de assassinatos no Brasil foram recorde em 2017 e atingiram principalmente essa parcela da população, negra, para quem a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil habitantes. Para os não negros, a taxa é de 16 por 100 mil.
O Atlas indica quem são as maiores vítimas: negros, moradores de comunidades vulneráveis, com pouca escolaridade e jovens. Os dados da pesquisa mostram crescimento assustador nos casos de homicídios. Em 2007, por exemplo, os negros representavam 63,3% das estatísticas de assassinatos, proporção que aumentou até atingir os 75,5% em 2017, em que foram constatados 49,5 mil homicídios contra negros e 16 mil de não negros. “Em termos de vulnerabilidade é como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, dizem os pesquisadores.
O ativista e membro da União de Núcleos de Educação Popular para os Negros e da Classe Trabalhadora (Uneafro), Douglas Belchior classifica os números como a expressão do “genocídio do negro brasileiro”, consequência direta da negação de direitos sociais aos negros, tais como acesso à educação, trabalho e renda.
Cedo demais para morrer
De acordo com o levantamento, metade das mortes de pessoas na faixa entre de 15 a 19 anos foi causada por assassinatos. Em 2017 foram assassinados 35.783 jovens no Brasil. Esse número representa uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. Nesse mesmo período os crimes contra pessoas entre 20 a 24 anos chegou a 49,4% e entre jovens com idades entre 25 a 29 anos foi de 38,6% das mortes, descrevem os pesquisadores.
Os dados apresentados revelam a necessidade de investimentos voltados à juventude e de políticas voltadas às comunidades economicamente vulneráveis, para garantir condições de desenvolvimento infanto-juvenil, acesso à educação, cultura e esportes, e o ingresso do jovem no mercado de trabalho”.
Informalidade e desigualdade
Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que a política de arrocho salarial, corte de direitos e desemprego adotadas pelos governos Temer e Bolsonaro atingem principalmente esse seguimento da sociedade.
Quase metade (46,9%) da população preta ou parda está na informalidade. O percentual entre brancos é 33,7%. Um trabalhador branco recebe, em média, 72,5% a mais do que um profissional preto ou pardo em 2017. Enquanto uma pessoa branca teve rendimento médio de R$ 2.615 no ano passado, um negro, soma da população preta e parda recebeu R$ 1.516.
Efeito da violência é a discriminação racial
O professor Florestan Fernandes escreveu, certa vez, que, “os brasileiros, de um modo geral, não têm vergonha de ser racista, mas têm vergonha de se dizer que são racistas”. Os negros sempre foram tratados de forma muito ambígua, o que faz com que o brasileiro tenha enorme dificuldade de exprimir o que ele realmente pensa sobre essa questão. O geógrafo Milton Santos (1926/2001) defendia que a luta por uma sociedade mais justa e humanitária não pode ser só dos negros, “ela só terá eficácia se envolver toda a sociedade”, defendia.