Você costuma cozinhar em casa? Cozinhar com a família, compartilhar responsabilidades de cada preparo desde a compra até o servir a mesa? A prática de cozinhar em casa tem sido incentivada nos últimos anos no Brasil nos documentos oficiais brasileiros.
Um exemplo é o Guia Alimentar para População Brasileira, de 2014 e o Guia Alimentar para as crianças menores de 2 anos, de 2019, que faz um chamamento à população sobre a importância da alimentação saudável e dos preparos caseiros.
Para oferecer uma alimentação adequada e saudável às crianças, é preciso cozinhar “do zero” usando alimentos frescos e temperos naturais, evitando o uso de alimentos ultraprocessados.
É o que conclui a pesquisa do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens) sobre como os padrões da culinária caseira influenciam no consumo alimentar de crianças.
“Pais que aderiram ao padrão saudável, cozinhavam, por exemplo, molho de tomate caseiro, pão ou bolo caseiro, preparavam as refeições, almoço ou jantar em casa. E também esses pais preferiram o uso de técnicas culinárias que não requerem a adição de gorduras, como cozinhar no vapor ou grelhar”.
Carla Martins, professora adjunta do Instituto de Alimentação e Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-Macaé) e pesquisadora no Nupens, é uma das autoras do estudo que buscou entender os impactos das práticas culinárias de adultos na qualidade da alimentação das crianças.
A pergunta era: a forma com que os pais, por exemplo, cozinham, pode mudar o que as crianças colocam no prato?
As autoras concluíram que apenas cozinhar em casa não é suficiente para proteger crianças de alimentos ultraprocessados.
“Essas crianças estavam consumindo em média, no jantar, 670 calorias e aproximadamente um terço dessas calorias consumida por meio de alimentos ultraprocessados que poderiam entrar de diferentes formas na refeição dessas crianças, desde apenas uma bebida açucarada, a substituição de uma carne por nuggets ou a completa substituição por um macarrão instantâneo”, ressalta Martins.
A criança é uma repetidora, repete o que ela vê você fazendo
A economista Carla Lino é mãe da Manuela Lino, de dois anos, e conta que morou em uma casa que tinha uma horta, então sua mãe sempre priorizou alimentos in natura e ela faz o mesmo com a filha.
Carla diz que Manu participa de pelo menos alguma etapa da preparação da comida. “Manu é vegana, não come ultraprocessados e o mínimo de industrializados. Ela come comida de verdade que compramos na feira, alimento que vem da terra”.
Consumir comida caseira faz com que você crie raízes e tenha memória afetiva do alimento saudável
Lino explica que no prato da Manu ela tenta incluir legumes, cereais, legumes e verduras verdes. E por conta da introdução alimentar, ela passou a gostar de quase todas as frutas.
“ A gente tem que esconder a fruteira. Quando você vê ela está comendo tomate, maçã, banana, uva. Acho isso muito bonito, porque ela tem a iniciativa de ir lá buscar o que ela está a fim de comer. Ela pede: Quero uva! Quero brócolis! Quero inhame”.
A mãe da Manu explica que prefere oferecer à filha uma alimentação que é possível saber todo o processo de preparo.
“A criança é uma repetidora, repete o que ela vê você fazendo, o que ela vê na TV. Acredito que consumir comida caseira faz com que você crie raízes e tenha memória afetiva do alimento saudável. A comida caseira, você sabe todo o processo que passou aquele alimento. Você sabe a qualidade do óleo, quantidade de sal, se o alimento é fresco, a origem dele e se até gerou algum tipo de embalagem, como o arroz”.
Cozinhar não é uma coisa rápida e também precisa do conhecimento para preparar alimentos
A pesquisadora menciona a importância das iniciativas governamentais e das políticas públicas para promover e assegurar esse direito humano à alimentação adequada e a prática da culinária doméstica.
De acordo com o estudo, nem todo mundo consegue seguir os padrões de alimentação saudável por questões financeiras, acesso aos alimentos e falta de tempo por conta das jornadas de trabalho dos responsáveis.
A pesquisadora pondera que analisando as características socioeconômicas e demográficas dos pais que aderiram, existe uma maior adesão à culinária saudável pela população que tem alta renda.
“Para incorporar esse padrão de alimentação saudável além de se fazer sentido e de ter interesse de praticar essa culinária mais saudável você tem que ter os materiais, que seria o acesso a esses alimentos in natura, minimamente processados e temperos. E tempo também, você tem que ter tempo para cozinhar do zero, porque cozinhar não é uma coisa rápida e também precisa das habilidades, do conhecimento para preparar esses alimentos”.
Martins comenta que, no geral, as famílias do Brasil ainda são compostas por mulheres que são as principais responsáveis pela alimentação, mas a responsabilidade de fazer uma comida saudável para a criança deveria ser dos pais ou coletiva.
“Na nossa mostra as mulheres estão trabalhando, mas mesmo assim têm que pensar nas alimentação do filho junto com as outras demandas do dia a dia. Isso gera uma sobrecarga feminina de responsabilidade exclusiva pela alimentação saudável da família. Esse é um grande desafio que não deveria ser responsabilidade exclusiva da mãe, mas também de outras pessoas da família, em especial os pais ou outros responsáveis por essas crianças.” ressalta a especialista.
Participaram do estudo 550 pares de participantes, sendo um adulto e uma criança em São Paulo. Os adultos responderam a um questionário sobre suas práticas culinárias, enquanto as crianças tiveram coletadas informações sobre sua alimentação.
Fonte: Brasil de Fato