Por Renata Barbosa(*), no Le Monde/Brasil Diplomatique
A meta 7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, referente à Energia Acessível e Limpa até 2030, estabelece que é necessário “assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preços acessíveis à energia para todas e todos”.
A privatização da Eletrobrás, em 2022, reconfigurou o mercado de água no Brasil, pois rios, lagos, águas subterrâneas, reservatórios e hidrelétricas estão nas mãos de acionistas. Afinal, a perda do comando da energia significa não apenas a falta de controle tarifário ou de uma distribuição de eletricidade igualitária à população, mas, também, o fim da soberania do país na regularização hídrica, de irrigação e abastecimento de água.
Serão trinta anos de concessão para companhias privadas no modelo “corporation”, em que, apesar de 43% das ações pertencerem à União, apenas 10% de seu voto serão computados no Conselho da empresa.
Em uma onda de privatização de energia no Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, defende o modelo da Eletrobrás para gerir a energia no estado. Atualmente, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), empresa de Parceria Público-Privada (PPP), atende 774 municípios mineiros, dos 853 em sua totalidade. Em 2022, a empresa gerou lucro líquido de R$ 4,1 bilhões para cerca de 255 mil acionistas e já acumula até novembro de 2023 um aumento de cerca de 30% a mais em relação ao mesmo período de 2022.
Para tanto, neste ano, houve um aumento de 14,91%, repassado aos consumidores pela revisão tarifária executada a cada cinco anos. A Cemig aplica a mesma tática empregada pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa): apesar da alta lucratividade, há elevação de tarifas e queda na qualidade de serviços, derivadas da redução de investimentos. Por tal razão, em 2022, a Cemig caiu quatro posições no ranking de melhor performance, em comparação com 2021. O desgaste da Cemig, de certa forma, é a mola propulsora de transição que o governo necessita para dar a outorga de energia à iniciativa privada.
Assim, Zema enviou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei, para aprovação ainda este ano, da privatização não somente de energia mas também de água e saneamento.
Todavia, o art. 14, § 17 da Constituição do Estado de Minas Gerais exige a participação popular por meio de referendo para decidir sobre a desestatização das duas empresas. Zema, contudo, afirmou que não realizaria um plebiscito e protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em 21 de agosto, a fim de retirar tal exigência legal, já que, em suas palavras, “não faz sentido consultar o povo”. Pretende, ainda, alterar o inciso § 15, que determina a aprovação de três quintos do quórum (46 dos 77 deputados), pela aprovação de maioria simples, computando-se apenas 39 votos para efetuar uma cisão de sociedade de economia mista e de empresa pública.
Zema comprova que não está apto a dialogar, segundo demonstrou, ao requerer a anulação de uma cláusula primordial da Constituição do Estado de Minas Gerais: a vontade do povo para julgar seu próprio destino.
Conforme observado, a distribuidora Equatorial Energia, controlada pela Eletrobrás, arrematou as concessões em lances únicos nos estados de Alagoas e Piauí, no valor exíguo de R$ 50 mil, e, no Rio Grande do Sul, de R$ 100 mil. Ainda se constata falta de transparência em todos os contratos, inclusive por parte da Neoenergia, em Brasília. Quanto maior o índice de pobreza no estado, maior o valor tarifário, como ocorrido no Nordeste – em Alagoas, Maranhão e Piauí –, em comparação com o Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
Reverter uma privatização é, em suma, um processo muito difícil e dispendioso. Portanto, é imprescindível que tanto o povo quanto os parlamentares não permitam que as privatizações aconteçam. Empresas privadas com fins lucrativos não deveriam controlar o que são premências para a sobrevivência do ser humano.
Assim, contrário às metas da ODS, o Brasil voltou a fazer parte da corrente privatista, com licitações sem disputa concorrencial e contratos duvidosos que beneficiam as concessionárias e quem as contrata, como via de regra. Do outro lado, está a população que enfrenta o aumento da conta de luz. Isso contribui para o crescimento da pobreza e da desigualdade social, pois, para a população que se encontra em vulnerabilidade financeira, são insustentáveis os reajustes tarifários, principalmente sem o subsídio cruzado. Mesmo porque – os dados demonstram – são as regiões mais pobres do Brasil que pagam além da medida o custo das privatizações, e ainda sofrem o maior impacto da falta de energia. Zema sabe disso.
(*) Renata Barbosa é cientista política, graduada pela Hunter College, em NY. Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), em Londres. Cursou Estudos sobre a Economia Latinoamericana na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em Santiago do Chile.