O economista da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Sindieletro e professor da PUC, Carlos Machado, analisa a cultura de distribuição de lucro no Brasil e defende maior transparência na discussão sobre as PLRs.
Chave Geral: Do ponto de vista da legislação, o que está assegurado para a PLR?
Carlos Machado: Segundo a Constituição e a legislação vigente sobre a PLR, a Participação nos Lucros e Resultados deve ser negociada entre empresas e empregados, não é vinculada à remuneração e visa estimular ganhos de produtividade (o que não deve ser confundido com qualquer tipo de “prêmio” por desempenho individual). Uma das alterações introduzida pela Lei 12.832/2013 favorece o processo da negociação coletiva da PLR, uma vez que impõe às empresas o dever de fornecer as informações pertinentes à negociação, em consonância com a Recomendação 163 da OIT, de 1981. Sem dúvida foi um avanço em direção às “boas práticas de negociação”.
Chave Geral: A Cemig usa o discurso de boas práticas de mercado para impor seu modelo de PLR. Qual a sua avaliação dessa postura da empresa?
Carlos Machado: Os acordos de PLR não podem ser vistos sob a ótica de “boas práticas de mercado”, uma vez que resultam (ou deveriam resultar) da negociação entre empresas e sindicatos de trabalhadores acerca de resultados obtidos periodicamente. A boa prática de mercado, no caso da PLR, só pode se referir à boa prática de negociação. Prova disso é que não há uma regra fixa para a forma de distribuição da PLR. Os resultados dos acordos são diferenciados e não é comum a prática de múltiplos que distorcem ainda mais a desigualdade econômica entre os trabalhadores (lembremo-nos que no Brasil essa desigualdade já é maior que na maior parte dos demais países e que a relação entre a maior e a menor remuneração na Cemig aumentou de 18,12 vezes em 2011 para 21,05 vezes em 2012, conforme demonstrações financeiras 2012 da Cemig).
Chave Geral: Há muitas formas de se definir a PLR?
Carlos Machado: Existem três modalidades de distribuição de PLR que ocorrem com mais freqüência. O Portal Carreira&Sucesso da Catho atesta: “o pagamento da PLR (...) pode ocorrer de algumas maneiras, por exemplo, com a divisão em partes iguais para todos os trabalhadores, independente do cargo, ou com o pagamento conforme a remuneração e o cargo de cada empregado. Ou, por fim, com o pagamento de uma parte igual para todos os trabalhadores e outra parte proporcional ao salário e cargo”. Observe que, ao descrever as três formas mais comuns de pagamento de PLR, o portal de uma agência de recursos humanos não cita a prática de múltiplos diferenciados. A Nota Técnica “A negociação da PLR no setor elétrico”, do DIEESE, e pesquisas recentes, confirmam esta descrição da Catho.
Chave Geral: Pode ser pensada a PLR para os trabalhadores terceirizados?
Carlos Machado: É preciso discutir a PLR e a força de trabalho que gera, transmite e distribui energia em Minas Gerais. É sabido que o processo de terceirização no Brasil, intensificado após os anos 1990, tem como uma das inúmeras conseqüências negativas a fragmentação dos trabalhadores e dificuldades na representação e organização sindical. O fato é que o resultado da Cemig é obtido pelo conjunto da sua força de trabalho (cerca de 25 mil trabalhadores), mas cerca de 2/3 desses eletricitários estão em empresas contratadas. Estas empresas também auferem lucros, mas seus trabalhadores, em geral, não negociam acordos de PLR. Neste sentido, há dois desafios para a representação sindical. O primeiro é reivindicar a negociação de PLR nas empresas terceirizadas e, o segundo, iniciar com a Cemig um processo de negociação para a criação de mecanismos de distribuição de lucros ou resultados para toda a força de trabalho.
Chave Geral: Quais aspectos devem ser considerados na distribuição da PLR?
Carlos Machado: Pelo menos três questões devem ser pactuadas: o montante a ser distribuído, a forma de distribuição e os indicadores e metas. O montante distribuído pela Cemig nos últimos três anos deve ser relembrado. Em 2010: R$ 325 milhões; em 2011: R$ 221 milhões; e em 2012: R$ 244 milhões. É bom frisar que no primeiro semestre deste ano a Cemig já acumulou um lucro de R$ 1,483 bilhão, valor 20% maior que o lucro do mesmo período de 2012.
Chave Geral: E a forma de distribuição, como deve ser pensada na Cemig?
Carlos Machado: Ressalto que os múltiplos que premiam um reduzido número de empregados da Cemig, que já recebem até 21 vezes mais do que aquele de menor salário, difundem a sensação (e não é só uma sensação) de que existem privilégios na empresa, o que é ruim internamente e é ruim inclusive do ponto de vista de sua imagem no mercado de trabalho e perante a sociedade. Os múltiplos diferenciados geram também um outro sentimento, bastante arcaico: que a gestão é responsabilidade de feitores a comandar autoritariamente trabalhadores inaptos (ou babás a cuidar de crianças), o que definitivamente não condiz com o trabalho no setor elétrico. Condizente com os argumentos apresentados até aqui, a distribuição em partes iguais seria a mais desejável – beneficiando os verdadeiros talentos e estimulando, assim, o conjunto da força de trabalho da Cemig na busca de maior produtividade.
Chave Geral: A Cemig diz que os altos cargos merecem mais PLR que a maioria dos trabalhadores. Por que ela insiste nesse discurso?
Carlos Machado: Esta é uma posição ideológica da gestão da empresa. Ela tenta ocultar interesses de favorecimento, para uma parcela minoritária e bem paga, dando aparência de um critério justo e universal. Ela insiste no discurso que os múltiplos são mais justos para favorecer uma classe social dentro da empresa. Pura ideologia, sem sustentação na realidade praticada nas negociações de PLR.
Chave Geral: Quais seriam os indicadores e metas para basear a discussão para construir um acordo de PLR?
Carlos Machado: É importante que sejam escolhidos indicadores cujos valores possam ser acompanhados por todos os empregados, ao longo do período de apuração e as metas estabelecidas precisam ser possíveis de serem alcançadas. É importante estabelecer não apenas as metas, mas também as condições necessárias para o cumprimento delas. Deve-se ter cuidado para que indicadores e metas não provoquem uma intensificação do trabalho incompatível com o trabalho seguro no sistema elétrico. Além disso, a legislação atual impede que indicadores de saúde e segurança façam parte das negociações de PLR.