Mesmo com arrecadação em alta, o governo de Minas quer adotar medidas que podem elevar o endividamento do estado e reduzir investimentos públicos em áreas como Saúde e Educação.
A sequência de decisões desastrosas, como a Lei Kandir, empurrou Minas Gerais para o buraco. O Estado sofre com um desequilíbrio financeiro crítico, sendo um dos que mais deve à União — o montante é de R$ 22,5 bilhões. O atual governo insiste que a única saída para a situação será a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), medida que inclusive tem sido propagandeada como a salvação para o povo, com a melhoria dos serviços públicos e a geração de empregos. Só que é o contrário.
O projeto do governo Bolsonaro nada mais é do que uma armadilha: em troca de adiar o pagamento da dívida pelo prazo de até nove anos, Minas Gerais teria que aceitar contrapartidas que impactam a renda dos trabalhadores, o patrimônio público do Estado e o atendimento de qualidade à população que mais precisa. Sindicatos, entidades sociais e deputados têm alertado a sociedade sobre o que está por trás da adesão ao RRF. Entenda por que Minas Gerais não precisa e não pode aderir à medida.
Arrecadação crescente
Mesmo enfrentando nos últimos meses o pior momento da pandemia de covid-19, Minas Gerais tem conseguido manter uma arrecadação estável e até maior do que a do ano passado. Uma análise do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que as receitas próprias do Estado estão crescendo. O ICMS, principal tributo estadual, teve aumento nominal de 17,7% em fevereiro de 2021 em relação a fevereiro de 2020 e o valor arrecadado com o IPVA subiu 14,4% no período. As transferências vindas do governo federal também aumentaram 13%.
A tendência é que o cenário melhore, já que a campanha vacinal prossegue, até o momento, sem interrupções e boa parte do estado já voltou para a Onda Vermelha do Programa Minas Consciente. Esses são fatores que, para o Dieese, favorecem a recuperação da economia e da arrecadação de impostos.
Imposto sobre doações e heranças
Outra opção viável é o aumento da alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), que incide sobre heranças e doações. Caso fosse majorada a taxa de 5% para 8%, de forma progressiva, o estado teria uma receita adicional de R$ 700 milhões por ano. “Rever as alíquotas pode ser uma saída para aumentar a arrecadação do Estado.
São milhões de reais por ano que o Estado deixa de receber sem avaliar a relação custo/benefício para a população”, afirma o coordenador-geral do Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais (SINJUS-MG), Alexandre Pires.
Revisão das isenções fiscais
Ao conceder renúncias fiscais, Minas Gerais abre mão de uma parcela da arrecadação, por isso é importante avaliar a eficácia das concessões. De acordo com o Dieese, hoje é possível somente ter uma noção da situação das renúncias por meio das estimativas que constam nos Projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). A avaliação é de que as renúncias concedidas pelo governo tiveram um aumento de 92% nos últimos 15 anos. Em 2020, por exemplo, Minas Gerais pode ter dispensado R$ 6,9 bilhões em impostos.
“O Estado precisa fazer política para fortalecer a receita e não continuar com esse discurso de cortar despesas porque, quando ele corta, corta na vida do povo, na prestação do serviço público, corta na escola, no hospital, na qualidade da estrada, no incentivo à agricultura familiar. Então, precisamos enfrentar os verdadeiros privilégios que existem: as políticas de isenções de receita e de tributo aos mais ricos. É preciso, também, rever as isenções e renúncias de receitas praticadas pelo governo, taxar o que é supérfluo e as grandes riquezas”, defende a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG).
A parlamentar já apresentou projetos de lei para aumentar o IPVA pago pelas locadoras de carro e também para que o lucro da CEMIG seja destinado a investimentos nas áreas de Educação, Saúde e Meio Ambiente.
Piora da crise econômica e fiscal
Um dos riscos da adesão ao RRF é aumentar a dívida porque mensalmente serão acrescidos encargos que serão adicionados ao saldo devedor, e o estado estaria privado de qualquer contestação da dívida na Justiça. Até hoje, só o Rio de Janeiro aderiu à medida e, como o estado está com dificuldades de cumprir as contrapartidas, corre o risco de ter o acordo revogado e de ser obrigado a pagar imediatamente aos cofres da União tudo o que foi dispensado de desembolsar desde 2017.
Se Minas Gerais disser “sim”, também perderá uma fonte de receitas anual e milionária proveniente dos dividendos que as estatais (que seriam privatizadas) repassam ao Estado.
A soberania do Estado também ficará em risco, pois ele será submetido às decisões do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, que passaria a ter mais poder de fiscalização que o Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa.
Imposto sobre heranças e doações, se passasse de 5% para 8%, aumentaria a receita estadual em R$ 700 milhões por ano
“A criação do conselho, que poderia ser muito bem denominado junta interventora, fere a Autonomia Federativa, uma prerrogativa pétrea, como define a Constituição Federal, para que o estado disponha de suas receitas e efetive políticas públicas essenciais, como as de Saúde, Educação, Moradia, Ciência, Tecnologia e Segurança. Com isso, o investimento em políticas sociais fica controlado por um ente externo ao próprio governo do estado. É a completa sujeição política e da autonomia financeira de Minas Gerais”, afirma a deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL/MG).
Punições ao funcionalismo
A situação dos servidores públicos ficará ainda pior. No caso do Judiciário, a categoria está com vencimentos defasados e sem a recomposição inflacionária adequada desde 2014, acumulando perdas salariais de 15,34%. Já a maior parte dos servidores do Executivo recebem salários parcelados desde 2016.
Com a adesão ao RRF, as categorias terão congelados os salários, os auxílios e as carreiras; serão extintos direitos como férias-prêmio, quinquênios e adicional por desempenho; e haverá aumento da contribuição para a Previdência, além do impedimento de novas nomeações e de realização de concurso público, o que aumenta a sobrecarga de trabalho em órgãos que já sofrem com a defasagem nos quadros de pessoal. Tudo isso por 9 anos!
Sucateamento dos serviços públicos
A privatização da Cemig, da Copasa e da Codemig vai tirar do Estado fontes de produção de riquezas e tecnologia, de geração de empregos, além de prejudicar a população com o aumento nas tarifas e a precarização dos serviços prestados.
“A privatização prejudica principalmente a população de baixa renda, que é a mais dependente dos serviços públicos em áreas como a Saúde, a Educação e a Justiça. A pandemia reforçou a importância dos serviços públicos. Não dá para imaginar o que seria do povo sem o acesso à Saúde pública neste momento. Sem as estatais, os serviços deixarão de ser oferecidos para quem mais precisa”, destaca o diretor de Assuntos Jurídicos do SINJUS-MG, Wagner Ferreira.
Luta
Em março, o governador Romeu Zema (Novo) entregou ao presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Agostinho Patrus (PV), o Projeto de Lei que trata da adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal da União. Desde então, os sindicatos mineiros estão seguindo uma maratona de reuniões com os deputados estaduais para garantir o apoio dos parlamentares contra a proposta.
As entidades já se reuniram com o deputado estadual Professor Cleiton (PSB), com a deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL) e com o líder de governo na Assembleia, deputado Gustavo Valadares (PSDB). O deputado estadual do Rio de Janeiro Flávio Serafini (PSOL) também debateu o assunto com os sindicatos e relatou os problemas que seu estado tem enfrentado desde que aderiu ao Regime, em 2017.
Fonte: Brasil de Fato