55 anos de espera: acusados de matar Malcolm X são inocentados



55 anos de espera: acusados de matar Malcolm X são inocentados

Por mais de meio século, Muhammad A. Aziz e Khalil Islam se disseram inocentes pela morte do ativista americano Malcolm X, assassinado em 1965. Ainda assim, ambos passaram 20 anos na prisão e toda uma vida lutando por sua honra. Foi somente na semana passada que a justiça dos Estados Unidos reconheceu a inocência dos homens, num caso que inspirou livros, filmes e, mais recentemente, uma série que está no ar no maior serviço de streaming do mundo.

"Lamento que o tribunal não possa desfazer totalmente os graves erros judiciais neste caso e devolver-lhes os muitos anos que foram perdidos", disse Joe Biden sobre o caso, deixando por entrelinhas os reparos a serem feitos aos homens e suas famílias.

Essa releitura do caso envolvendo o assassinato de Malcolm X demorou 22 meses, mas as questões envolvendo as acusações infundadas são muito mais antigas.

"É que a história, às vezes, demora muito tempo para se tornar notícia", foi o argumento dado pelo historiador Clayborne Carson, professor emérito da Universidade de Michigan, à reportagem do Brasil de Fato.

Autor do livro "Malcolm X: The FBI File", publicado há 30 anos, Carson explica que, já naquela época, como estudante, teve acesso aos documentos do FBI que comprovariam a inocência dos dois homens erroneamente condenados.

"No livro, eu escrevo que (Thomas) Hagan, que é a pessoa que disse que matou Malcolm X, testemunhou que ele e três outros foram contratados para matar o ativista, e que Aziz e Islam são inocentes. Minha fonte foi o próprio FBI", explica, "se eu soube disso há 30 anos, o FBI provavelmente sabia há muito mais tempo, porque eles tinham um informante de alto escalão na Nação do Islã (grupo político e religioso do qual Malcolm X fez parte). Ou seja, autoridades do FBI permitiram que homens inocentes passassem todo aquele tempo na prisão, simplesmente porque não queriam expor sua fonte."

A exoneração tardia dos inocentes – um que conta hoje 83 anos e o outro falecido em 2009 –, aconteceu apenas alguns dias antes de a justiça americana deixar em liberdade o jovem Kyle Rittenhouse, que dirigiu de Illinois a Wisconsin para supostamente "proteger" negócios locais de manifestantes anti-racismo em Kenosha. Rittenhouse atirou e matou duas pessoas e feriu outra, e não vai à prisão por isso após ser absolvido pelo tribunal do juri.

A diferença entre os casos dos homens acusados de matar Malcolm X e do adolescente que confessou ter matado duas pessoas é a cor de pele: quem foi para a cadeia são os negros, mesmo inocentes.

Esse racismo estrutural é mensurável, conforme provou a organização Innocent Project, que apurou que 1% da população carcerária americana é inocente e que, portanto, pelo menos 20 mil pessoas estão atrás das grades por falsas acusações.

Boa parte dessas injustiças recaem sobre afrodescendentes e, por isso, 47% das exonerações anuais, nos Estados Unidos, envolvem pessoas de cor, mesmo elas respondendo por apenas 13% da população total do país.

Esses dados, publicados pela Universidade de Michigan, revelam ainda que negros têm sete vezes mais chances de serem erroneamente condenados por assassinatos, 3,5 vezes mais chances de ser incriminado falsamente por violência sexual e 12 vezes mais chances de ser condenado por posse de droga.

"A pergunta que fica é: quem é responsável por isso?", indaga Carson, "e acho que para responder isso é preciso olhar para o sistema estrutural que perpetua essas injustiças".

O professor relembra ainda que é limitante pensar no sistema judiciário como um compasso moral, onde mora a verdade e a certitude.

“O sistema judiciário executa a lei, e a interpreta como o que é certo, mas é preciso lembrar que a lei, um dia, permitiu a escravidão e tantas outras barbaridades", pontua. O docente lamenta que a justiça ainda seja bastante particular – "depende da interpretação da regra, da geografia do tribunal e do calibre da força policial envolvida".

É por isso que coisas como reparações históricas, aos olhos de Carson, são folclore. Citando o fato de que nenhuma nação do mundo, de fato, tenha se engajado em estruturar medidas para compensar a população indígena e não-branca pelo genocídio que lhes foi imposto, o historiador afirma que a elite tende sempre a manter seus privilégios.

"O que a gente mais ouve são pessoas dizendo coisas como 'eu cheguei até aqui graças a um competitivo sistema capitalista que me deu uma boa casa e uma boa vida, por que eu vou querer pagar pelos erros do passado?”

Apesar de compensações serem justas e necessárias, Carson acredita que é mais urgente reescrever a história. É preciso acertar a narrativa, para que todos saibam o que, de fato, aconteceu, sem vitimizar um lado e acusar o outro: "Não é uma questão de raça, de apontar os dedos, porque eu diria que qualquer um, dadas as condições, seria capaz de coisas terríveis. O que eu quero dizer é que é necessário olhar para o problema sistêmico, para que possamos nos organizar politicamente e reparar o que for necessário".

Por Eloá Orazem, Brasil de Fato | Los Angeles (EUA)

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