Brasil tem a maior concentração de renda do mundo. Pesquisador de estudo da desigualdade social diz que, a curto prazo, a valorização do salário mínimo e a reforma tributária podem promover mais justiça social
Três estudos, dois brasileiros e um internacional, mostram que o Brasil é o país com a maior concentração de renda do mundo e que os ricos ficaram ainda mais ricos durante a ditadura militar.
Os levantamentos mostram, ainda, que os investimentos públicos em programas sociais, como o Bolsa Família e a Política de Valorização do Salário Mínimo, implantadas no governo do ex-presidente Lula, conseguiram diminuir a pobreza.
Para o economista Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), o Brasil só se tornará, de fato, menos desigual com uma reforma tributária, que taxe mais os lucros e dividendos dos ricos.
A pesquisa ‘Desigualdade Mundial 2018’, coordenada pelo economista francês Thomas Piketty, que estudou o período de 2001 a 2015, mostra que o Brasil tem a maior concentração de renda do mundo.
Apenas 1% dos milionários brasileiros detém quase 30% da renda do país – eles estão à frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3%.
Se o leque for ampliado para os 10% mais ricos, a concentração é ainda maior, eles têm 55% da riqueza brasileira – índice que empata com a Índia.
A pesquisa francesa se baseia em contas públicas, renda familiar, declaração de imposto de renda, heranças, informações de pesquisas locais, dados fiscais e rankings de patrimônio, entre outras fontes. O estudo mostrou também a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambiental para a diminuição da desigualdade em todo o mundo.
Já a tese de doutorado “A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013”, de Pedro Ferreira de Souza, da UnB, feita com metodologia diferente, mostra que 23% da concentração de renda no Brasil estão nas mãos de 1% mais rico.
Segundo o economista e professor de sociologia da UnB, Marcelo Medeiros, que foi o orientador da tese, o estudo brasileiro também mostrou a importância de investimento público e programas sociais.
“Políticas públicas como o Bolsa Família têm reflexo mais imediato, mas os investimentos em educação e Previdência Social, embora importantes no combate à desigualdade, demoram de uma a duas décadas para de fato serem percebidas”, diz o professor.
No Brasil, a diminuição da pobreza teve forte redução durante os governos Lula e Dilma Rousseff, de acordo com a pesquisa. E o que contribuiu para isso, segundo o professor Marcelo, foi a política de valorização do salário mínimo – proposta feita pela CUT que conseguiu o apoio das demais centrais sindicais. Segundo o Dieese, entre 2003 e 2018, o salário mínimo teve aumento real de 76,57%.
“Saímos de um valor irrisório do salário mínimo para quase o dobro de valorização, o que permitiu uma distribuição de renda melhor para a população concentrada na base da pirâmide”.
“Mesmo assim, o país não conseguiu diminuir a concentração de riqueza”, diz o professor da UnB.
Ditadura militar aumentou a desigualdade social no Brasil
Outro estudo orientado pelo professor Marcelo Medeiros, também de Pedro Ferreira de Souza, apontou que a desigualdade social aumentou no Brasil durante a ditadura militar.
A série histórica, de 1927 a 2013, mostra que a acumulação de renda no topo da pirâmide deu um salto nos primeiros anos de regime militar.
Em 1965, a parte 1% mais rica da população tinha 10% do bolo total. Apenas três anos depois, o índice vai a 16%. E a disparidade só aumenta durante o chamado ‘milagre econômico’.
Para os pesquisadores, as medidas dos anos de recessão e o ajuste do começo do período, que incluíram isenções fiscais, arrocho salarial e repressão a sindicatos, foram determinantes para a reversão rápida, entre 1964 e 1968, de uma trajetória de queda da disparidade.
“A ditadura fez uma série de mudanças, proibiu greves, reprimiu movimentos sindicais e, ao fazer isso acabou por impedir o funcionamento do livre mercado”, diz Marcelo Medeiros.
O professor explica que impedir greves é o mesmo que impedir que o trabalhador diga “não quero trabalhar por esse salário”. Isto favoreceu os mais ricos e aumentou a desigualdade nos anos em que o país viveu sob o regime da ditadura militar.
Assim como nos anos 1960 e 1970, a década de 1980 é de alta da desigualdade mais uma vez, mas, pondera o pesquisador, há “ruído” na tabela por causa da hiperinflação. É possível, afirma, apontar que a partir de "algum momento dos anos 1990", já na democracia, a desigualdade começa a cair.
Taxação de lucros e dividendos
Para Marcelo Medeiros, é preciso uma reforma tributária, em que os mais ricos paguem mais impostos e taxas do que a classe trabalhadora. Só assim o Brasil se tornará menos desigual
“O Brasil tem de encarar seriamente, tanto a esquerda quanto a direita, que é preciso fazer uma reforma tributária. É preciso proteger os micro empresários, os que realmente têm uma empresa, o que é diferente de trabalhador que recebe seu salário como Pessoa Jurídica (PJ) - mas também é preciso taxar os lucros e dividendos das empresas”, diz o economista.
Marcelo Medeiros diz ainda que no Brasil, o capital e o trabalho recebem tratamentos desiguais, já que quem arca com a maior carga tributária é o trabalhador com carteira assinada.
“O capital e o trabalhador PJ acabam pagando menos impostos. O lucro é o salário do empresário e é preciso tributá-lo como salário. O trabalhador PJ acaba não contribuindo com a Previdência porque entre, supostamente, comprar um remédio para um filho e pagar o carnê do INSS, ele vai acabar preferindo a primeira opção. Já o trabalhador com carteira assinada não tem essa opção e sempre paga mais do que os outros”, afirma o professor da UnB.
CUT Nacional