Voto feminino completa 90 anos no Brasil. E daí?



Voto feminino completa 90 anos no Brasil. E daí?

No Brasil patriarcal, do início do século 20, em que mulheres não tinham direito de trabalhar fora ou de conversar sobre política, a professora Celina Guimarães Viana foi um ponto fora da  curva. Em 1928 ela obteve de um juiz do Rio Grande do Norte o direito ao voto tornando-se a primeira eleitora do Brasil e, afirmam alguns historiadores, da América Latina. 

O fato  repercutiu mundialmente e levou mulheres de outros estados a fazerem a reivindicarem a posse do título. Mas, em 1928, após a primeira votação feminina, a Comissão de Verificação de Poderes do Senado cancelou a eleição, alegando que o estado não poderia ter autorizado o voto das mulheres sem a aprovação nacional por aquela casa legislativa. Com essa barreira, o voto feminino no Brasil foi conquistado oficialmente só quatro anos depois e incorporado à Constituição de 1934 como facultativo. Somente com o Código Eleitoral de 1965 o voto feminino equiparou-se ao dos homens no país.

Quem ajuda a compreender a história do voto no Brasil e da sua principal personagem é Carla Viana Coscarelli, uma das maiores linguistas da atualidade, professora da UFMG e neta da professora Celina. 

Carla ouviu do pai, o médico Pedro Wilson Viana, único filho de Celina, histórias sobre as dificuldades enfrentadas para colocar o direito ao voto em prática. “Tudo foi bem controverso já que na época muita gente achava que mulher não podia votar, tanto é que a primeira eleição em que elas participaram foi cancelada,” cita.

Carla jura que, em família, a avó era uma figura “mega normal”, o que ajuda a quebrar o estereótipo de “sujeito desviante” que, historicamente, a mídia, a sociedade ou a literatura tenta impor às mulheres que ousaram entrar em espaços que supostamente são só dos homens. “Conheci essa pessoa linda como a nossa avó, apenas, uma mulher tranquila, que gostava de cozinhar, ler e jogar paciência. Depois que cresci é que ouvi essa história do título e muitas outras bem ousadas sobre a nossa avó”, conta,

Carla. Celina e o marido (Elyseu de Oliveira Viana) eram educadores em Mossoró. De lá mudaram para Teófilo Otoni, fugindo da perseguição política do governo Getúlio Vargas, marcado por contradições.

Carla conta que a avó e o marido formavam um casal especial, já que ele apoiava as ideias inovadoras da esposa, coisa muito rara no Brasil que tentava entrar na era industrial. Ela, por sua vez, era curiosa, gostava de moda e lia jornais e livros em inglês e francês buscando novidades como o futebol que ensinou a vários homens quando atuou como árbitra do
time que Elyseu ajudou a criar no Rio Grande do Norte há quase um século.

“Em relação ao título de leitor, provavelmente muitas mulheres daquela época queriam o diretor de votar, mas aquilo não era natural. No caso da minha avó, o apoio do marido foi importante e revela até hoje que os dois tinham autonomia e idealismo”. Para Carla esse modelo de casamento também foi vanguarda no século passado e merece ser lembrado.

As histórias da professora Celina são muitas e mostram uma persdonbalidade que nunca temeu o novo como a vez em que a professora, que cavalgava muito bem, ganhou um cavalo
muito bravo que pertenceu a um cangaceiro do bando de Lampião. 

“Minha avó simpatizou com o cavalo e ele com ela. Ela montou e pronto: a partir daquele dia, só ela montava o cavalo. Ninguém mais,” relata a neta.

Outras barreiras

Hoje, 90 anos após a conquista histórica do voto feminino no país, somos convidadas a refletir sobre o que avançamos nesse período na sociedade e na política. A única presidenta
que o país teve virou adesivo no tanque de gasolina de carro de machistas que não aceitavam a chegada das mulheres a posto tão alto. Fotos de deputadas que questionam o golpe ou defendem humanos direitos circulam de biquínis em montagens grotescas para grupos de Whatsapp.

Vimos uma vereadora que questionou a ditadura das milícias do Rio de Janeiro ser silenciada à bala e violentada em seguida nas redes sociais. Nossa realidade parece distante de países como a Alemanha, em que a chanceler, Angela Merkel, não deixa de ser vista, considerada e respeitada em função do sexo ou da idade. Mulher na política ainda é motivo de zombaria ou utopia? Talvez um pouco de cada coisa o que mostra que ainda teremos muita luta pela frente.

Somos minoria sufocada nas câmaras, nas prefeituras e no Senado, o que, na opinião de Carla Coscarelli confirma uma realidade intrigante: o brasileiro confia mais na mulher em aspectos como honestidade, como diferentes pesquisas mostram, as, na hora de dar poder, o eleitor ainda opta pelos homens.

Para a professora, é preciso mudar a mentalidade que orienta o voto e, também, que a mulher tome consciência de que tem alta capacidade de administrar e fazer política com qualidade. Carla, como nós, acredita que parte da realidade machista, felizmente, vem finalmente mudando, em função dos novos movimentos pela igualdade de gênero e raça
que passaram a contar com articulações e discursos mais fortes e uma luta mais presente. 

“As pessoas podem até ainda ser machistas, mas, agora, já têm vergonha disso, o que mostra que a luta por igualdade anda a passos mais largos pelo menos”. Vamos adiante, como
a professora Celina, reescrevendo a história.

Por Rosana Zica

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