Previdência: capitalização gerou miséria e suicídios no Chile



Previdência: capitalização gerou miséria e suicídios no Chile

A substituição do atual regime previdenciário de aposentadoria pelo modelo de capitalização, como sugere a equipe do presidente Bolsonaro, vai aliviar os cofres públicos, mas pode agravar a desigualdade social e aumentar o número de miseráveis no país, alertam especialistas. No Chile, onde a capitalização vigora desde 1983, 79% dos benefícios são menores que o salário mínimo local, e 44% dos aposentados e pensionistas vivem abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

"Os idosos chilenos estão se suicidando por não terem condições de se sustentar. É uma situação muito triste que, tudo indica, tem plenas condições de se repetir no Brasil, caso façamos essa mudança”, afirma a presidente do IBDP, Adriane Bramante. Ainda segundo o instituto, a maior parte dos chilenos passou a receber, no máximo, 30% do que ganhavam antes.

Atualmente, o regime brasileiro é o de repartição. Nele, os trabalhadores da ativa ajudam a sustentar os quase 30 milhões de aposentados e pensionistas do país. Com o envelhecimento da população, o governo alega não ter condições de arcar com esse modelo por muito tempo. A tendência é que o número de beneficiários cresça em uma proporção muito maior que a quantidade de colaboradores.

Já o sistema de capitalização sugerido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é uma espécie de poupança. Ou seja, cada um guarda seu próprio recurso e o utiliza quando sair da idade produtiva. O problema, segundo Adriane Bramante, é que nem todos conseguirão juntar o dinheiro necessário para o resto da vida.

“Quando a pessoa se aposentar, será feita uma estimativa de vida. Então se faz uma conta para saber quanto ela deve receber por mês. Mas se esse aposentado viver mais que o calculado, o dinheiro pode acabar, por exemplo. Essa pessoa seria jogada para a miséria. Não está claro como isso aconteceria”, diz.

O governo ainda não detalhou como seria o novo regime. Mas sabe-se que cinco propostas estão em análise. Uma delas é a da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que sugere um sistema misto, onde quem ganha mais de R$ 2.200 é obrigado a entrar na capitalização, segundo o coordenador do estudo, Hélio Zylberstajn.

Para o sócio da corretora de seguros Segasp Valores, Ricardo Tarantello, a capitalização seria “a única saída possível”. Segundo ele, para que a mudança não seja danosa para o trabalhador, o ideal é que os empregadores também colaborem com a espécie de fundo a ser criado. “Se o trabalhador guardar 8% do salário e o empregador arcar com mais 12%, durante 35 anos, essa pessoa pode receber na aposentadoria algo em torno de 80% do salário atual”, afirma.

Custo da transição será alto

Caso o governo opte pela substituição completa do atual regime previdenciário para o de capitalização, o país pode não conseguir arcar com o custo da transição. “Se os trabalhadores novos vão colocar recurso na capitalização, o governo terá que arcar com os benefícios existentes. Se pensarmos que são 30 milhões de aposentados, com renda média de R$ 1.500, temos R$ 540 milhões de prejuízo ao ano”, diz a presidente do IBDP, Adriane Bramante.

O pesquisador da Fipe Hélio Zylberstajn concorda. “Do jeito que está a economia, o país não consegue pagar os benefícios que existem”, afirma.

Minientrevista

Hélio Zylberstajn, economista pesquisador da Fipe

Qual a proposta da Fipe para a Previdência?

Não estamos sugerindo que o sistema novo seja totalmente capitalizado. A capitalização seria uma parte do sistema. As pessoas nascidas a partir de 2005 entrariam em um novo sistema de aposentadoria. Nele, teria uma renda básica do idoso, de R$ 550, pagos pelo Tesouro para todos os aposentados. Além disso, teríamos o atual INSS arcando com, no máximo R$ 1.650. O teto hoje é bem maior, quase R$ 5.600. Somando com os R$ 550 que todo mundo recebe, temos até R$ 2.200. Até essa faixa de renda, a pessoa vai ganhar exatamente o que recebia (quando trabalhava). Nos preocupamos em recompor a renda da aposentadoria de quem ganha até R$ 2.200, que equivale a 75% da população. Estamos propondo que a nova Previdência olhe para a parte de baixo da pirâmide social.

E quem recebe mais de R$ 2.200?

Aí entramos na questão da capitalização. Estamos propondo que o Fundo de Garantia se transforme em aposentadoria capitalizada. A conta do FGTS deixaria de estar vinculada ao emprego e passaria a se vincular ao CPF. Só que todo mundo seria obrigado a juntar, na conta do Fundo, no mínimo três salários. Depois que juntar isso, com o restante do mês, a pessoa pode comprar um plano de aposentadoria para complementar a capitalização. Quem ganha menos de R$ 2.200 não precisa comprar, pode deixar tudo na conta do Fundo de Garantia.

Uma das preocupações do mercado é com a transição do atual regime para o próximo. Como seria, no caso desse projeto de vocês?

O desafio é a transição porque temos projetos que estão propondo a mudança para capitalização, e não de forma mista, como o nosso. Se for puramente capitalização, será necessário pegar uma parte das contribuições que vão para o INSS, ou toda ela, e jogar na capitalização. Você tem a contribuição dos novos indo para o novo sistema, e a necessidade de pagar os beneficiários atuais. Aí o sistema quebra e não consegue fazer a transição.

Então a capitalização pura seria inviável para o Brasil?

Não é que seja inviável, mas o Tesouro vai ter que bancar a transição. O Chile fez isso, por exemplo. Mas, o problema é que, do jeito que está a economia, o país não consegue pagar os benefícios que existem. Se tirar a arrecadação com os trabalhadores ativos, de onde vai sair dinheiro? Por causa dessa dificuldade, nossa proposta é fazer com o que já existe, que é o Fundo de Garantia, porque não desvia dinheiro do INSS e consegue fazer a transição.

E qual a economia que a proposta da Fipe traz para o país?

Com essa proposta que expliquei, nenhuma. Mas, além do novo sistema, sugerimos a mudança do atual, a chamada reforma paramétrica, com mudança de cálculo do benefício, da idade mínima e do tempo de contribuição. A filosofia da nossa proposta é tratar todo mundo da mesma forma. Aí, fazendo todas as mudanças, seria uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos.

Fonte: Jornal O Tempo, por Tatiana Lagôa

ENTENDA MAIS SOBRE O SISTEMA DE CAPITALIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA PROPOSTO POR GUEDES

Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro, anunciou na noite de terça-feira 8 a mudança do sistema previdenciário na reforma da Previdência que apresentará em fevereiro ao Congresso Nacional. Hoje o modelo é de repartição, que se resume na contribuição das pessoas em atividade para pagar os benefícios daqueles que já se aposentaram.

Segundo Guedes, o sistema a ser implantado seria de capitalização – caso a proposta seja apresentada e aprovada na Câmara e no Senado. O próprio ministro admitiu que a mudança terá um custo alto. CartaCapital conversou com o especialista em previdência e professor da FGV, Kaizô Beltrão para entender como funciona o modelo proposto e quais são os pontos mais polêmicos.

Beltrão estima que uma mudança do sistema pode custar dois PIB’s brasileiro – o equivalente a 4,1 bilhões de dólares – ao bolso do contribuinte, com mais impostos, além de ser uma mudança arriscado por depender de outras variáveis da economia. Segundo ele, sair do sistema de repartição para o sistema de capitalização “é querer mudar de trem em alta velocidade e há o risco de descarrilar”.

Carta Capital: O que é o sistema de capitalização na Previdência?

Kaizô Beltrão: Primeiro é preciso fazer saber que existe dois tipos de capitalização. Capitalização coletiva e capitalização individual. Paulo Guedes falou de capitalização individual. Nela, cada pessoa tem uma conta separada em que se deposita os valores. Funciona um pouco como o FGTS de agora. Você tem uma contribuição e tem uma conta. Um dia, quando achar que tem dinheiro suficiente ou quando decidir que não quer mais trabalhar, você começa a tirar dinheiro de lá. Para tirar o dinheiro foi implantada diferentes formas nos países que já implantaram esse regime.

Você pode “comprar” no próprio sistema uma renda vitalícia em que  pode receber certa quantia mensalmente, – e acho que é isso que o Guedes está propondo – ou receber tudo de uma vez. Esse último caso normalmente é condenado porque as pessoas não conseguem planejar o futuro.

Existe outra possibilidades: no Chile a pessoa tem o seu próprio fundo e ela pega e divide esse fundo para uma mensalidade como ela quer, geralmente com base na sua expectativa de vida. 

CC: Então o sistema de capitalização consiste no trabalhador financiar sua própria aposentadoria?

KB: Não obrigatoriamente. Pode ter um sistema de capitalização que só o indivíduo pague ou um modelo em que ambos, empresa e indivíduo, paguem.

CC: Quais os pontos positivos e negativos do sistema de capitalização que Paulo Guedes propõe?

KB: Acho problemático nesse sistema o fato de haver uma geração “sanduíche” que terá que pagar as duas coisas.

CC: O próprio ministro disse que a transição tem um custo muito alto. O que isso significa?

KB: O custo muito alto a que ele refere fala justamente sobre essa geração que terá que acumular na capitalização a própria aposentadoria e irá, através do governo, continuar pagando para os aposentados como um todo. A geração sanduíche terá uma dupla carga, terá que pagar para eles e para os pais deles. Esse é o problema. Eu estimo que o custo dessa transição seja algo no entorno de dois PIB’s, esticado no tempo, mas isso implica num gasto maior do governo.

CC: Quanto tempo, na sua avaliação duraria esse período de transição? KB: Uns 20 ou 30 anos porque depende do pessoal que já está contribuindo para o sistema antigo todo desaparecer.

CC: João Doria e Bruno Covas tentaram implantar o sistema de capitalização na reforma da previdência municipal, mas recuaram. Qual poderia ser o motivo desse recuo?

KB: A Constituição de 1988 possibilitou a todos os entes federados a criação de regimes próprios. E qual é a vantagem de um regime próprio? É que o pessoal que já estava aposentado não pertencia a ele – era do regime geral no INSS – e toda a renda que entrasse era direta para o governo municipal, estadual, o que fosse. Mas conforme as pessoas iam se aposentando, a carga ficou pesada e então se tentou o sistema de capitalização. Acontece que todo o trabalhador novo, caso haja uma renovação grande do quadro, não vai contribuir para o sistema e  isso fica mais caro.

CC: Então fica caro para o contribuinte e cria-se um déficit ainda maior para o governo?

KB: Fica mais caro porque eles vão estar em um país, numa sociedade ou em um estado que está tendo que pagar isso. Então ou o governo imprime dinheiro – o que não vai fazer –  ou terá que cobrar dos contribuintes com mais impostos.

CC: Qual o modelo mais adequado?

KB: Depende da história de cada país, de como se desenvolveu. O que tem acontecido no Brasil é o que chamamos de reformas paramétricas em que se define outra idade, se define outro tempo de contribuição. Eu acho que a longo prazo, se continuar no sistema atual, vamos ter que aumentar a idade de aposentadoria – colocar uma idade mínima para aposentar – porque de alguma forma o sistema é perverso. Quem consegue se aposentar por tempo de contribuição normalmente é gente mais rica já que os mais pobres trabalham no mercado informal, têm uma história de trabalho mais intermitente e tem mais períodos de desemprego. Quem tem um emprego regular é, geralmente, o pessoal da classe média, classe alta.

CC: Na sua opinião, qual modelo seria melhor para o Brasil?

KB: Se estivéssemos começando do zero, o sistema mais adequado poderia ser o da capitalização, mas não é o nosso caso porque já estamos andando, então é querer mudar de trem em alta velocidade e há o risco de descarrilar.

O discurso de quem defende o sistema da capitalização é aquele que afirma que será possível fazer investimentos com esse sistema, mas o que tem acontecido é que esses fundos não têm sido aplicados em investimentos produtivos.

CC: O que significa o descarrilamento? Qual o risco real?

KB: O risco é termos uma conta impagável. Se o sistema se altera, o custo será dois PIB’s, mas ainda há diferentes variáveis que precisam estar bem. Dependerá de como vai ficar a economia, como as pessoas estarão no mercado de trabalho… Precisaria ajustar o mercado de trabalho, acabar com a informalidade, ajustar o custo Brasil e, mesmo assim, é uma conta cara de pagar.

É como se você tivesse uma família, seu pai não se aposentou e você tem que ficar pagando para ele, mantendo o seu pai, mantendo a você e pensando no seu futuro. Isso é a economia do país. As pessoas vão ter que continuar vivendo com a renda, vão ter que pagar quem está aposentado e vão ter que financiar a própria aposentadoria. 

CC: Há outro sistema possível?

KB: Hoje temos o sistema de repartição em que, basicamente, significa que quem está trabalhando contribui e quem está aposentado recebe. Enquanto a população de trabalhadores ia crescendo, não tinha o problema para pagar os beneficiários porque, quando o sistema começou, havia algo como 30 trabalhadores para cada beneficiário, então dava para pagar bem. Agora nós temos menos de dois.

Isso pode se ajustado, por exemplo, aumentando a idade para aposentadoria, mudando a regra para pensão e de acúmulo de benefícios. Nosso sistema, se fizermos alguns ajustes paramétrico, tem algum fôlego.

Revista Carta Capital

 

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