Os processos de crises do capital, intensificados hoje pela financeirização através do neoliberalismo, atingem contornos de crueldade cada vez mais intensos contra os trabalhadores e trabalhadoras, pois são diretamente vinculados a um projeto de desmontes de direitos da classe trabalhadora. Em nossa história recente, esse projeto esteve presente nas reformas trabalhista de Michel Temer e previdenciária de Bolsonaro. Tais reformas estão vinculadas diretamente com a nova morfologia do capital, uma vez que reforça as contradições presentes nos conflitos de classes, o que favorece a concentração e acumulação de renda – esta age diretamente na intensificação da pobreza, pois o acúmulo do dinheiro nas mãos de poucos poderosos garante a manutenção da miséria de muitos.
Em sua obra Vigiar e Punir, Michel Foucault denunciou o uso do constrangimento e humilhação nas prisões, quarteis, escolas e fábricas, denominando-as como sanção normalizadora. O capitalismo contemporâneo reforça que práticas punitivas e de vigilância sejam adotadas como medida de intensificação dos constantes saques à classe trabalhadora, garantindo, assim, a lucratividade de acionistas do mercado financeiro.
Nas empresas de nossos tempos são estabelecidas relações de trabalhos cada vez mais precárias que resultam em processos de expropriação mais sistematizados, sofisticados, eficazes e sutis. Tais processos se configuram como mais uma das formas de controlar a subjetividade dos trabalhadores e trabalhadoras que por medo das exposições, humilhações e constrangimentos acabam silenciados por essas irregularidades e, por vezes, pautados por uma perspectiva de desesperança sendo impelidos a um aumento de produtividade como ferramenta de fuga.
Segundo Adriane Reis de Araujo em seu artigo Assédio Moral Organizacional:
Soma-se a esse quadro hostil, a adesão por algumas empresas à violência psicológica ou violência invisível para o controle da subjetividade dos trabalhadores, expressando modelos abusivos de gestão de mão-de-obra, como a gestão por injúria, gestão por medo ou gestão por estresse. O assédio moral difuso e fomentado pela empresa surge assim como mais um instrumento de controle e disciplina da mão-de-obra. Sua peculiaridade permite denominá-lo de assédio moral organizacional. (ARAUJO, Rev. TST, Brasília, vol. 73, no 2, abr/jun 2007, p. 205/206)
A denominação do assédio moral surge pela primeira vez em 1998, com a psiquiatra Marie-France Hirigoyen, que aprimora esse conceito em 2002: “(...) o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho)”.
O assédio moral praticado por superior hierárquico é denominado assédio vertical descendente. Quando o assédio moral é praticado por pessoas de mesmo nível hierárquico, é assédio moral horizontal. E quando praticado por pessoas de níveis hierárquicos inferiores, recebe o nome de assédio vertical ascendente, mas este caso é mais raro.
De acordo com a cartilha do MPF – Assédio Moral, Assédio Sexual e Discriminação: “A prática de assédio moral no ambiente de trabalho expõe as pessoas a situações de humilhação, constrangimento, intimidação, agressividade, ironia ou menosprezo, e causa sofrimento psíquico ou físico, interferindo negativamente na vida profissional, social e pessoal da pessoa assediada.” (MPF, 2016 p. 7).
O assediador, em regra, busca forçar o afastamento do trabalho da pessoa assediada ao coloca-la constantemente em situações de humilhação e desprezo. As literaturas identificam, também, que não existem características associadas a pessoa assediada que contribuam para sua seleção como vítima.
“É relevante esclarecer que a pessoa assediada não é necessariamente frágil ou apresenta algum transtorno. Em alguns casos, ela se torna alvo do assédio por apresentar características ou comportamentos que ameaçam o poder de quem assedia, ou por pertencer a algum grupo que já sofre discriminação social, tais como mulheres, idosos, minorias étnicas, etc” (Texto adaptado de TOLFO; OLIVEIRA 2013).
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Para identificar situações de assédio ocorridas nos ambientes de trabalho é fundamental sabermos identificar condutas que realizadas direta ou indiretamente caracterizam tais práticas. Marie-France Hirigoyen divide os diversos atos de violência em quatro categorias, sejam elas:
1) deterioração proposital das condições de trabalho (como retirar a autonomia da vítima; não lhe transmitir mais informações úteis para a realização das tarefas; privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador, etc.; atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores ou inferiores às suas competências; entre outros); 2) isolamento e recusa de comunicação (exemplificativamente, a vítima é interrompida sistematicamente; superiores hierárquicos e colegas não dialogam com ela; a comunicação é unicamente por escrito; recusa de qualquer contato com a vítima, até mesmo visual); 3) atentado contra a dignidade (como utilizar insinuações desdenhosas para qualificá-la; fazer gestos de desprezo diante dela como suspiros, olhares desdenhosos, desacreditá-la perante os colegas, superiores e subordinados; espalhar rumores a seu respeito; atribuir- lhe problemas psicológicos); e 4) violência verbal, física ou sexual (entre as quais, ameaçá-la com violência física, agredi-la fisicamente ainda que de leve, falar com a vítima aos gritos, invadir sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas) (HIRIGOYEN, 2002, p. 108/109).
Com intuito de contribuir na identificação das práticas hostis que caracterizam o assédio, compartilhamos abaixo uma breve sistematização presente na cartilha do MPF divididas em 4 principais categorias e condutas:
Os ritmos cada vez mais acelerados de trabalho e as remunerações por produtividade estimulam a competição nas equipes de trabalho e contribuem diretamente para o rompimento dos laços de solidariedade entre trabalhadores(as). Isso contribui diretamente para o isolamento de indivíduos, o que facilita as práticas dos assediadores. Contudo, é fundamental frisar que:
A finalidade básica extraída das práticas de assédio moral no trabalho acima mencionadas é instrumental, qual seja a promoção do envolvimento subjetivo dos trabalhadores às regras da administração, pressionando-os à resignação aos parâmetros da empresa e excluindo aqueles com o “perfil inadequado”. A docilização e padronização do comportamento de todo grupo de trabalho obtidas pela sanção imputada aos “diferentes” se difunde em todos os níveis da organização por intermédio do exemplo, saneando o espaço empresarial. (…) Importante destacar também que a organização produtiva não visa apenas o lucro, pois o assédio pode ser desencadeado simplesmente porque o trabalhador não se apresenta suficientemente engajado com a cultura empresarial. (ARAUJO, Rev. TST, Brasília, vol. 73, no 2, abr/jun 2007, p. 212).
Podemos concluir que as práticas sistematizadas de assédio visam, em grande parte das vezes, “sanear” o ambiente de trabalho, ao excluir trabalhadores e trabalhadoras e garantir que os que permaneçam sejam silenciados por medo de sofrer perseguição semelhante.
É importante observamos os sintomas e consequências que se manifestam nas vítimas decorrentes das violências cometidas pelos assediadores. O entendimento desses sintomas é parte da compreensão de situações de assédio, porém é preciso destacar que a manifestação de sintomas não se configura como pré-requisito na caracterização dessa violência.
Não há qualquer exigência para que a vítima apresente sintomas físicos ou mentais, a prática de assédio se caracteriza por uma conduta hostil do assediador e em muitas vezes está relacionada a uma ferramenta de gestão a serviço da expropriação da classe trabalhadora.
Assim, introduzimos os principais sintomas, sendo eles: “estresse, depressão, irritabilidade, ansiedade, síndrome do esgotamento profissional, fadiga crônica, alcoolismo, insônia, dores musculares, pressão alta, entre outros. Também poderá apresentar dificuldades para lidar com o trabalho e a vida profissional, bem como com sua família e seus relacionamentos pessoais.” Nas empresas os prejuízos decorrentes do assédio estão associados a queda de produtividade, piora no clima organizacional, alta rotatividade, aumento das licenças médicas e aposentadorias precoces.
No entanto, em muitos casos é possível perceber alguns sintomas de quem está sofrendo assédio: “estresse, depressão, irritabilidade, ansiedade, síndrome do esgotamento profissional (burnout), fadiga crônica, alcoolismo, insônia, dores musculares, pressão alta, entre outros. Também poderá apresentar dificuldades para lidar com o trabalho e a vida profissional, bem como com sua família e seus relacionamentos pessoais”, de acordo com Marie-France Hirigoyen. Nas empresas, os prejuízos decorrentes do assédio estão associados à queda de produtividade, piora no clima organizacional, alta rotatividade, aumento das licenças médicas e aposentadorias precoces.
Rompa o silêncio! Não se intimide, procure ajuda e ajude sempre que presenciar ou souber de uma prática de assédio.
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Por Geovan Aguiar, diretor de Formação, Saúde e Juventude no Sindieletro