STF começa a julgar o direito dos trabalhadores à Justiça gratuita



STF começa a julgar o direito dos trabalhadores à Justiça gratuita

CUT e juízes do Trabalho foram ao Supremo defender a gratuidade nas ações trabalhistas dos mais pobres. O medo de pagar os custos dos processos derrubou quase pela metade o número de ações
 
 Começou na quarta-feira (9), no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), nº 5.766, que discute a validade de alguns dispositivos da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que estabelece pagamentos de honorários aos advogados patronais em caso de perda do processo, e também de laudos periciais, entre outros custos que a maioria trabalhadores e das trabalhadoras não pode pagar.

Essas alterações da nova Lei derrubaram em 45% o número de processos na Justiça do Trabalho no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano.

“Os trabalhadores estão com medo de litigar na Justiça do Trabalho, o que é uma agressão à sua cidadania”, afirma Feliciano.

Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, a imposição de custos que a maioria  não pode pagar foi colocado na lei justamente para impedir que o trabalhador recorra a Justiça para reivindicar direitos básicos não pagos pelos empregadores. Mais grave ainda, segundo o dirigente, é que a gratuidade da Justiça trabalhista está assegurada na Constituição e uma Lei ordinária não pode alterar esse direito.

De acordo com Valeir, juízes da 1ª e 2ª Varas do Trabalho e até o Tribunal Superior do Trabalho (TST) estão tomando decisões contraditórias diante da reforma e, por isso, é importante essa votação no STF.

”Espero que os ministros do Supremo tenham bom senso e que declarem inconstitucionais esses artigos da reforma trabalhista”, declarou.

Para defender o direito do trabalhador, várias entidades foram admitidas no STF, como amicus curiae  (termo que designa uma instituição que fornece subsídios às decisões dos tribunais) ,  dentre elas a CUT e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que fizeram uma  sustentação oral na sessão de julgamento.

Na abertura da sessão - cujo relator é o ministro Luís Roberto Barroso- a procuradora geral da República (PGR), Raquel Dodge, defendeu a gratuidade do acesso à Justiça Trabalhista.

Já a Advogada Geral da União (AGU), Grace Maria Fernandes, tomou uma posição contrária aos trabalhadores e trabalhadoras, ao concordar com os artigos da reforma trabalhista, do ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP), que retira esse direito.

Como ‘amicus curiae’ dos trabalhadores falou o representante da CUT, o advogado trabalhista José Eymard Loguercio. Ele lembrou aos ministros o absurdo das alterações feitas pela reforma trabalhista.

Eymard explicou que, se um trabalhador entrar com um processo buscando direitos básicos, como horas extras e insalubridade e perder o caso de insalubridade, mas ganhar as horas extras, ele terá de pagar ao advogado patronal os custos da ação referente à insalubridade.

“É o mesmo que dizer que receber hora extra muda a condição de pobreza do trabalhador, que já havia sido confirmada pela própria Justiça”, disse ao pedir aos ministros o acolhimento da ação da PGR.

“É o trabalhador mais pobre, em sua maioria, que procura a Justiça por direitos básicos. É o juiz que deve examinar se essa pessoa tem condições de arcar ou não com os custos”, conclui Eymard.

O advogado Alberto Pavie Ribeiro, representante da Anamatra, disse que os juízes trabalhistas estão perplexos com a situação de, ao julgar uma demanda trabalhista, ter de dar ‘mais valia’ aos honorários dos advogados do que a verba alimentar do trabalhador.

“O remédio que foi dado ao trabalhador virou um veneno”, disse ao pedir que o STF acolha a Ação Direta de Inconstitucionalidade de parte da reforma trabalhista.

A sessão do STF foi suspensa a pedido do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que quer analisar as ponderações feitas pelos ‘amicus curiae‘ – a favor e contra a ADI.

Em entrevista ao Portal CUT, o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, disse que as alterações na Lei, que estão sob julgamento, são talvez as piores de todas, do ponto de vista do impacto social negativo, além de ser uma das mais flagrantemente inconstitucionais.

“A Constituição garante, ao trabalhador pobre, assistência judiciária integral e gratuita. A Lei não pode dizer a um trabalhador, sem condições financeiras, que ele deva suportar honorários dos advogados das empresas ou periciais à custa dos seus próprios créditos salariais, que têm natureza alimentar”, diz o presidente da Anamatra.

Ainda segundo ele, esse tipo de compensação não existe nem no processo civil; e foi, indevidamente, introduzida no processo de trabalho.

“Há aqui uma inconstitucionalidade literal, uma quebra da isonomia mínima que deve haver entre o cidadão que reclama perante a Justiça comum e para a Justiça do Trabalho”, diz Guilherme Feliciano.

Entenda o caso

A primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), contra a denominada “Reforma Trabalhista” foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em 28 de agosto de 2017.

A ADI aponta inconstitucionalidades nos artigos 790-B, caput e § 4º; 791-A, § 4º e 844, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, alterados pela “Reforma”.

O novo artigo 790-B, caput, estabelece a cobrança de honorários periciais da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.

Na redação anterior, os beneficiários da justiça gratuita estavam isentos.

O dispositivo viola o artigo 5º, inciso LV, da Constituição, o qual garante a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, porque restringe os meios de atuação processual que podem ser acionados pelo trabalhador, como a realização de perícia.

O novo § 4º do artigo 790-B, por sua vez, dispõe que, somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

O dispositivo fere, como o caput do artigo, o artigo 5º, incisos XXXIV, a; XXXV; e LXXIV, da Constituição, assim como o artigo 7º, inciso X, que protege o salário e estabelece que constitui crime sua retenção dolosa.

Já o artigo 791-A prevê a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, especialmente no caso de sucumbência recíproca.

O artigo, nitidamente, é outro obstáculo ao acesso do trabalhador à Justiça. E estabelece que as obrigações decorrentes de sucumbência poderão ser cobradas no prazo de até dois anos e incidirão sobre qualquer crédito que o trabalhador venha a receber.

Por fim, o artigo 844, § 2º, da CLT condena o reclamante ao pagamento de custas no caso de ausência em audiência, ainda que beneficiário de justiça gratuita, mitigando, novamente, a eficácia da gratuidade.

Todos os artigos são inconstitucionais.

Para o então Procurador-Geral da República,Rodrigo Janot, “(...) as normas impugnadas inviabilizam ao trabalhador economicamente desfavorecido assumir os riscos naturais de demanda trabalhista e impõe-lhe pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos no processo, de natureza alimentar, em prejuízo do sustento próprio e do de sua família”.

O acesso à Justiça deve ser garantido a todos os cidadãos: àqueles que podem arcar com os atos necessários ao desenvolvimento de um processo e, principalmente, àqueles que não possuem recursos para tanto.

Para isso, a Constituição federal, no artigo 5º, inciso LXXIV, estabelece que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

A gratuidade, dessa forma, decorre diretamente do direito fundamental de acesso à Justiça, bem como do princípio de proteção ao trabalhador, que é fundante do Direito do Trabalho e não foi revogado pela Lei nº 13.467/2017.

Fonte: CUT

 

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